Nome: Manuel Custódio
Ano nascimento: 1938
Local do registo: Algés
Data do registo vídeo: 08-10-2021

Transcrição

"Eu tenho consciência que a primeira vez que senti uma revolta assim indignada foi quando eu estava em Aljustrel, na feira de Aljustrel. Na feira, portanto, que é em Junho de 1954, aparece lá a informação que eles - o Carrajola, o Tenente Carrajola - tinha matado a... [Choro] Vocês desculpem, mas isto… A gente emociona-se, sempre fui assim emotivo. Chegou lá a notícia que o Tenente Carrajola tinha matado a Catarina Eufémia. Matou a jovem [Choro] com a filha às costas. Com a filha ao ombro - com a menina ao colo. Aquilo custou-me tanto tanto tanto que fiquei revoltado com o sistema.

Isto em Aljustrel. Fiz-me sócio do clube - que existia lá em Aljustrel - que era o Centro Republicano Aljustralense. E comecei a ler. Ia para a biblioteca, lia aqueles livros todos. E comecei a tomar uma certa consciência que não tinha.

Em 1958 temos a informação que o Arlindo Vicente vai a Aljustrel - que era candidato a Presidente da República - ia passar em tal sítio, para a gente estar lá à espera dele. A gente lá estávamos - eu e outros. A GNR em cima dos cavalos, empurravam os cavalos contra a gente. Depois fizemos um desfile desde lá daí até ao ponto em que depois o Arlindo Vicente falou para as pessoas. É aí, nesse desfile, a descer com o Arlindo Vicente por aí abaixo que eu ganhei consciência de que era preciso ajudar quem lutava contra o sistema.

Depois vim para Lisboa. Isto foi em 58, depois vim para Lisboa nesse ano depois a seguir, vim para a Marinha. E comecei na Marinha também a falar destas coisas. Em 1970, quando sou preso, já sou dirigente da Cooperativa Piedense - que era a maior cooperativa de consumo da Península Ibérica.

Atividades políticas? Quais eram as atividades políticas que a gente tinha? Era fazer sessões culturais, convidar a Maria Lamas... [Fizemos] um debate sobre a luta das mulheres - sobre a vida das mulheres - e convidou-se a Maria Lamas, lá na Cooperativa Piedense. Fez-se o debate e vocês nem queiram saber, aquilo estava cheio de PIDEs. PIDEs! Informámos a Maria Lamas. Começámos ali a ver se era bom ela vir, não era bom ela vir - e ela já não veio. Já não veio por causa que podíamos arranjar ali um conflito.

Eu estava na Marinha e sou preso. Vai uma delegação - uma delegação não, uma ronda com um Oficial, um Cabo, um Armeiro, ... Uma ronda de 5 ou 6 pessoas lá a minha casa, às 7 da manhã: «O senhor está preso!». [Eu]: «Então mas estou preso porquê?». E mostraram-me uma coisa da PIDE. Ora a PIDE foi ter com o Chefe de Estado-Maior da Armada e queria que o Chefe de Estado-Maior da Armada [me] entregasse, para ser preso. «Mas porquê?». E então mostraram qual era a [acusação]: por participar em atividades subversivas internas e externas contra o Estado. Esta é a chapa. Atividades subversivas contra a segurança interna e externa do Estado. Foi por isso.

 

O Chefe de Estado-Maior da Armada, que era o Almirante Crespo, disse: «Sim senhor, espere aí. A gente tem serviço de justiça». [Choro] Olharam lá para a minha biografia, para o meu processo: «É um homem normal, está bem classificado aqui na Marinha. Não. A gente não lhe entrega o homem. A gente vai levantar um processo. Nomeia-se um Oficial, faz-se um interrogatório ao homem. Depois vai a tribunal e se depois se confirmar o que vocês dizem é condenado, se não vai para a rua».

E assim aconteceu. Estou lá 6 meses preso, numa prisão da Marinha. E vou sendo entrevistado. Mas, entretanto, ia à PIDE também. Estava lá na prisão e havia uma ronda da Marinha que me levava à PIDE para ser também interrogado na António Maria Cardoso.

Epá, mas eu vi o ódio que eles me tinham: «Desta vez safaste-te. Mas põe-te a pau. Põe-te a pau. Tu não vais fugir da gente. A gente vai-te caçar». E era assim. «A gente vai-te caçar».

Faziam lá aquelas perguntas que entendiam, eu respondia também aquilo que entendia e voltava outra vez para a prisão. Isto foi assim durante o tempo que eu tive preso. Fui uma série de vezes à António Maria Cardoso para ser interrogado. (...) Aí nunca houve agressões, nunca houve nada. Fui julgado, fui absolvido e voltei para a Marinha. E continuei a levar uma vida normal na Marinha. Mas aí fora rebentaram os helicópteros - não sei se ouviram falar daqueles helicópteros lá em Tancos - e outras coisas assim. E a PIDE pressionava o Chefe de Estado-Maior, [diziam-lhe]: «Qualquer dia faz-te o mesmo aí! Derruba-te aí o navio, mete-te o navio no fundo!». Não sei se foi por isto, isto estou eu a pensar. E o Chefe de Estado-Maior já não me aguentou mais e pôs-me na rua.

Saí da Marinha em Junho de 1971. Fui para casa, mas disse: «Epá, os gajos têm-me um pó danado, eles vêm-me buscar». Andei por ali a cheirar, não havia assim nada - fui para casa. Uma noite estava em casa, às 5 da manhã entram-me os PIDEs lá pela casa adentro. Foram-me lá buscar e levaram-me então para Caxias. Para Caxias não, para a António Maria Cardoso. Só depois da António Maria Cardoso é que vou para Caxias.

Portanto, sou preso e sou interrogado logo ali à maneira. Estou logo ali um período de 5 dias e 5 noites sem dormir, agredido de toda a maneira e feitio. Ao fim de 5 dias e 5 noites acharam que eu estava em condições de já não aguentar, mandaram-me para Caxias. Em Caxias estou lá uma semana, ao fim de uma semana vieram-me buscar outra vez para outro interrogatório. Aí já não estou 5 dias, estou 8 dias e 8 noites sem dormir. E quando acharam que eu já estava, também já coiso, mandaram-me outra vez para Caxias, deixaram-me estar lá uma semana a descansar. Ao fim de uma semana foram-me buscar. E então eu já estive 12 dias e 12 noites sem dormir. Mas como a gente ao fim de 12 dias e 12 noites não se consegue já segurar, então um PIDE pegava-me num braço, outro PIDE pegava-me noutro braço e andaram comigo assim aquele tempo todo. E era sempre à porrada, sempre à porrada. Tinha de dizer isto, tinha de dizer aquilo - dizer o que eles queriam, não é? E uma das sensações que eu senti foi que eles queriam-me destruir. Não era matar-me, mas queriam-me destruir psicologicamente. O que eles diziam da mulher…: «Tu estás aqui, mas a tua mulher anda lá...!». Quando acharam que eu já devia estar nesse estado de dar em maluco, mandaram-me lá para uma sala e lá fiquei na sala.

Não sou julgado! Não, não sou julgado. Eles devem ter pensado que eu já estava acabado e arranjaram para ali para eu dar 15 contos: «Você vai ser posto em liberdade, vai pagar uma indemnização de 15 mil escudos e vai-se embora».

Portanto eu sou preso pela PIDE, depois sou posto na rua, depois ninguém me arranja emprego. Ninguém me dá emprego. Toda a gente gostava da gente - dos maquinistas navais da Marinha - e toda a gente lhe arranjava emprego. Mas quando eu tinha que dizer que tinha sido preso, pronto, já não entrava.

Um dia encontrei o engenheiro que estava no Banco Fomento: «Ó Custódio!» - lá nos abraçámos - [diálogo]: «Então e o que é que você anda por aqui a fazer?». «Olhe, ando à procura de emprego». [Choro] Desculpem lá. «Ninguém quer dar emprego à gente. Ninguém me quer dar emprego». «Olha Custódio, tenho um sítio no Banco de Fomento, que tenho alguma influência e aí é possível que a gente depois veja isso. Você descanse lá que depois se eu arranjar alguma coisa, depois eu telefono». E ele telefonou-me! «Olhe, você vá lá à Construtora Moderna fale lá com o diretor, que ele já sabe. Você e capaz de ir para lá trabalhar». Pronto, foi assim que eu fui para a metalúrgica, que naquela altura era a Sorefame. E lá fiquei. Lá fiquei até vir para a Marinha outra vez. [Risos]

Dá-se o 25 de abril, a madrugada que a gente esperava e pela qual lutava! [Choro] Foi uma alegria que você nem faz ideia. Foi o dia mais feliz da minha vida! E depois da Marinha recebi a informação que ia ser reintegrado. Pronto e depois fui reintegrado na Marinha. Vim para a Marinha e estive na Marinha até passar à reserva, em 1995. Entrei em 75 na Marinha - reparem bem - e era para ter entrado logo em 74, mas depois aquilo deu ali aquelas burocracias, (...) portanto só entrei para a Marinha em Junho ou Julho de 1975. Quase um ano depois do 25 de Abril - quase um ano não, um ano depois do 25 de Abril. Fiz a minha vida na Marinha até me vir embora em 1995.

Isto criou-nos a compreensão e a importância de um regime democrático. Se não fosse esta passagem não me tinha apercebido da importância de vivermos em democracia. Hoje, [para] as pessoas nasceram depois do 25 de Abril isto é tudo natural, mas naquela altura não era.

Eu tenho noção e consciência que se ignorarmos a história estamos obrigados a repeti-la outra vez. Esta é a minha consciência. Se as pessoas esquecerem a história estamos condenados a repeti-la!".