A produção de medronho e os seus derivados, como a aguardente de medronho, é uma prática enraizada em várias regiões de Portugal, particularmente no concelho da Sertã e áreas adjacentes. Apesar de ser uma cultura de nicho, o medronheiro (Arbutus unedo) tem ganho relevância nos últimos anos, não só pelas suas potencialidades económicas, mas também pela capacidade de regeneração ambiental em áreas afetadas por incêndios, como descreve o técnico agrícola João Gama. Neste contexto, surgem também novas utilizações do medronho (para além da tradicional aguardente) como o pão com medronho, cerveja artesanal e a kombucha, explorando a versatilidade deste fruto.

Documentário

O medronheiro é uma planta autóctone de Portugal, presente em várias regiões, especialmente nas áreas de floresta mediterrânica. O fruto do medronheiro, o medronho, é colhido tradicionalmente em áreas montanhosas e florestais, sendo uma prática antiga, mas que carecia de organização e modernização, como refere João Gama. No passado, a colheita de medronho era realizada de forma espontânea e esporádica, sem grande envolvimento técnico ou comercial, sendo vista como uma atividade suplementar. No entanto, a importância económica e ambiental do medronheiro tem sido destacada nos últimos anos, tendo este arbusto sido classificado pelo Ministério da Agricultura como uma atividade agrícola, permitindo o acesso a fundos comunitários e incentivos financeiros.

As primeiras tentativas de organizar a produção de medronho no concelho da Sertã e em regiões adjacentes enfrentaram resistência. Segundo João Gama, em meados dos anos 2000, a ideia de plantar medronheiros foi inicialmente rejeitada pela população local, predominantemente envelhecida e acostumada à apanha silvestre. Muitos agricultores, já de idade avançada, resistiram à mudança, vendo o cultivo do medronheiro como uma atividade desnecessária face à apanha espontânea que realizavam nas serras. No entanto, com o apoio de programas de desenvolvimento rural e da investigação académica, o cenário começou a mudar. Um dos exemplos de sucesso é José Martins, agricultor da Pampilhosa da Serra, que após participar num congresso sobre medronho, decidiu investir em 7 hectares de plantação, transformando-se hoje num dos maiores produtores da região.

 

 

O medronheiro, além de ser uma planta resistente às adversidades climáticas, tem um ciclo produtivo peculiar, onde é possível observar, em simultâneo, flores e frutos em diferentes estados de maturação. Isto deve-se ao facto de o medronheiro florescer no outono e os seus frutos amadurecerem no outono seguinte, conferindo-lhe uma dualidade que permite prever o potencial de colheita para o ano seguinte, como explicou João Gama.

Uma das características mais notáveis do medronheiro é a sua resiliência perante incêndios florestais, um problema recorrente em Portugal, especialmente em zonas com densa vegetação de pinhal. O medronheiro "tem uma cepa grande", o que lhe permite regenerar rapidamente após a passagem do fogo. Ao contrário de muitas outras espécies que demoram anos a recuperar ou até se extinguem após incêndios severos, o medronheiro rapidamente "rebenta" novos brotos, proporcionando uma recuperação mais célere da vegetação.

Depois de um incêndio, o medronheiro pode começar a produzir frutos novamente em cerca de quatro anos. Esta capacidade de regeneração rápida torna-o uma planta ideal para ser utilizada como corta-fogo, sendo capaz de limitar a progressão dos incêndios que normalmente se propagam através da copa das árvores. Como arbusto de menor altura, o medronheiro pode interromper esta propagação, especialmente em áreas montanhosas, proporcionando não só uma barreira física ao fogo, mas também uma paisagem mais segura para o combate aos incêndios.

Adicionalmente, a sua adaptação natural ao clima mediterrânico, caracterizado por verões secos e quentes, contribui para o seu papel na reflorestação sustentável em Portugal. A sua capacidade de crescer espontaneamente e a baixa necessidade de cuidados ao longo do ano, fazem do medronheiro uma planta valiosa no contexto das alterações climáticas e da gestão de áreas rurais desertificadas.