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Esta azenha foi construída pelo meu trisavô, o Boaventura dos Reis, dizia o meu pai, em 1852. Arnaldo Reis.

Arnaldo Reis descreve o funcionamento desta azenha tradicional situada na nascente do rio Sizandro, na Sapataria, concelho de Sobral de Monte Agraço. A azenha do Boaventura, como é conhecida, é o último engenho em funcionamento neste território onde até há pouco tempo existiam mais de uma dezena ao longo do rio.

Arnaldo é representante da quinta geração de moleiros da família Reis, que desde Boaventura Reis em 1852 mantém esta azenha e um moinho.

Inicialmente, a azenha tinha rodas de madeira e um açude primitivo, feito com umas tábuas encostadas a uns choupos, perto da nascente do rio Sizandro. Mais tarde, em 1938, Aniceto dos Reis faz um açude de pedra. Coloca rodas metálicas na azenha entre 1946 e 1948, aumentando a fiabilidade e a potência de trabalho.

Nos anos 60 do século XX, o edifício da azenha foi acrescentado para acolher um segundo conjunto de engenhos - roda, mecanismos e mós, de modo a ser utilizada por dois irmãos moleiros. Por essa altura é comprado o aviador, que serve para fazer a limpeza do grão.

A levada era apenas um canal escavado na terra, conduzindo a água até às rodas da azenha com muitas perdas, devido aos animais roedores que abriam constantemente buracos ao longo do percurso. Foi Arnaldo dos Reis que, na década de 1970, cimentou a levada, tornando-a mais eficaz no transporte da água.

Ao longo do relato, evidencia-se a forte ligação familiar à azenha, as memórias de infância associadas ao trabalho agrícola e comunitário, bem como o sentido de continuidade e orgulho na transmissão do saber tradicional de moagem entre gerações.

Moleiro no inicio da levada
Arnaldo Reis mostra o açude da azenha, perto da nascente do rio Sizandro

As azenhas são construções que aproveitam a força da água em rios e ribeiras, testemunhos silenciosos de uma época em que o engenho humano trabalhava com a natureza para transformar cereais em farinha, sustentando comunidades e moldando a vida comunitária ribeirinha.

As azenhas encontram a sua energia na constância do fluxo da água. Localizadas nas margens de cursos de água, muitas vezes em socalcos e com sistemas complexos de açudes e canais, estas estruturas demonstram uma profunda compreensão da hidrografia local. Cada azenha era cuidadosamente posicionada para otimizar o aproveitamento da energia hidráulica, fazendo girar pesadas mós de pedra que trituravam o grão. Na azenha do Boaventura, a distância entre o açude onde se capta a água e a roda é de cerca de 200 metros, provavelmente para potenciar o declive e garantir um fluxo constante numa zona quase plana.

A presença das azenhas no Oeste de Portugal é particularmente notória em zonas com maior densidade de rios e ribeiras. Nos concelhos de Sobral de Monte Agraço e de Torres Vedras, por exemplo, o rio Sizandro e os seus afluentes eram pontilhados por estas moagens. Em Mafra, as ribeiras que correm para o rio Lizandro ou para o mar também acolhiam muitas azenhas. Eram locais de labor e de convívio, onde os moleiros e as suas famílias passavam os dias, e onde as comunidades se encontravam para produzir a farinha de cada dia. A arquitetura das azenhas integrava-se harmoniosamente na paisagem natural, utilizando os materiais disponíveis como a pedra local e a madeira.

roda de azenha
Azenha do Boaventura, vista das rodas

Com a modernização e o declínio da agricultura de subsistência, muitas azenhas, tal como os moinhos de vento, perderam a sua função original. Algumas caíram em ruínas, engolidas pela vegetação, enquanto outras foram adaptadas para novos usos. No entanto, o seu legado perdura e o interesse na sua preservação tem vindo a crescer. Projetos de recuperação visam restaurar as estruturas físicas, mas também revitalizar os conhecimentos técnicos, a memória e as tradições associadas a estes locais.

 

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