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Maio: o Mês da Fome

Na tradição de Vale do Laço, o mês de maio representa um tempo temido. Com as reservas alimentares do inverno esgotadas e as novas culturas ainda verdes, este mês tornava-se símbolo de carência e privação. As famílias enfrentavam dificuldades para alimentar-se, faltavam legumes, frutas, azeite e pão. As batatas velhas terminavam e as novas ainda não estavam prontas.

Segundo as entrevistadas, “as pessoas tinham medo do mês de maio”, que se tornava sinónimo de escassez. O ato de Maiar as Portas era uma forma de simbolicamente expulsar essa fome, de proteger a casa da entrada do mal.

Num contexto de pobreza rural, com grandes famílias e poucos recursos, este ritual servia para reforçar o desejo de sobrevivência e prosperidade. Era um apelo à fertilidade da terra, à proteção dos animais, ao reforço das colheitas. Cada ramo funcionava como um “seguro simbólico” contra a fome e os infortúnios. Além disso, era uma forma de participação comunitária.

Preparação e Execução

A tradição iniciava-se no final da tarde ou início da noite de 30 de abril. Cada família colhe os seus raminhos no campo. Estes ramos são compostos por elementos naturais com significados próprios, e colocados nas portas de entrada das casas, currais, adegas e arrecadações.

Segundo Alzira Silva, Maria de Lourdes e Piedade Martins, a tradição era cumprida escrupulosamente todos os anos. Cada espaço tinha o seu ramo específico, conforme a função:

Porta da casa: proteção geral da família.
Adega: com ramo de videira, para garantir abundância de vinho.
Espaço do azeite: ramo de oliveira, para proteger e garantir azeite.
Currais e estábulos: mistura de espigas, flores, giestas e outras plantas, para proteger os animais.
Tipos de Ramos e Significados

Os ramos eram cuidadosamente compostos por uma combinação de plantas e flores com valor simbólico. Entre as mais referidas destacam-se:

Videira – símbolo do vinho.
Oliveira – símbolo do azeite.
Espiga de trigo ou centeio – símbolo do pão, da colheita.
Cerejeira – simboliza a fruta e fertilidade.
Papoila – associada à alegria.
Rosmaninho – planta silvestre aromática, usada para embelezar e atrair as abelhas, também associado ao mel (que não era usual na geração anterior, mas que Alzira, Maria de Lurdes e Palmira usam atualmente).
Pampinhos (flores amarelas) – associados à paz e alegria.
Os ramos são atados com fio ou linha e fixos nas ombreiras das portas ou no batente. O seu formato pode variar, mas a intenção é sempre protetora e auspiciosa.

 

O Dia 1 de Maio

O dia seguinte ao ritual tinha outra regra importante: ninguém queria ser o último a levantar-se. Acordar tarde era sinónimo de "ficar com o Maio", ou seja, atrair para si os males do mês – especialmente a fome. “O último a levantar-se fica com o maio no cu”, diziam em tom de brincadeira, mas com uma crença firme.

Acordar cedo era um gesto quase mágico, uma forma de expulsar o maio e garantir sorte e abundância. Esta crença permanece viva na memória das famílias locais, como lembra Alzira Silva: “as minhas filhas ainda falam nisso... nenhuma queria ser a última”.

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