Moega, chamador e mó ©Memória Imaterial

Tradicionalmente os moleiros são também agricultores, aproveitando os cereais do seu próprio cultivo para a produção de farinha. Manuel e Albertina não são exceção, dividindo as suas vidas de trabalho entre a agricultura e a moagem e utilizando os cereais produzidos nos seus terrenos para o fabrico de grande parte da farinha que vendiam.

Numa fase mais tardia, passaram a complementar a sua produção com cereais comprados a terceiros, de forma a conseguirem dar resposta ao número crescente de pedidos dos fregueses. Frequentemente também prestavam o serviço de moagem aos agricultores que não tinham moinho próprio, e que recorriam ao moinho de Manuel Anacleto para a troca dos seus cereais por farinha.

Levada e campo cultivado ©Memória Imaterial

AS SEMENTEIRAS                   

No início da vida de casados, Manuel e Albertina semeavam milho e trigo, mas sobretudo trigo. Mais recentemente, começaram a comprar o trigo e passaram a semear mais milho. O milho cultivado sempre foi o milho carraceno, porque é o melhor para a confeção do pão. Segundo Manuel Anacleto, o milho híbrido, apesar de ser mais rentável porque é mais produtivo, faz com que a farinha fique amarga e o ‘pão fica todo estalado’.

O trigo é semeado no Inverno, entre dezembro e janeiro – ‘A semana da Conceição que é dia 8 de dezembro é a melhor para semear trigo’. O milho é semeado mais tarde, já na primavera – ‘O milho de sequeiro é em março. Se for no regadio é em abril’ e a apanha é feita cerca de 3 meses depois, entre julho e agosto. Para a sementeira é preciso arranjar o chão, ceifar a ervas, desbastar, sachar e 'montar', 'chegar mais chão para ele ficar ali montado, para se aguentar mais (…) e a maçaroca seja melhor’ (Manuel Anacleto). Há cerca de 5, 6 anos Manuel Anacleto diz que ainda produziu cerca de 5600 kg de milho. Este ano não chegou aos 500 kg, em parte por motivos de doença, mas também porque existe um grande número de javalis na região, que têm vindo a destruir as culturas agrícolas.

Moagem do milho ©Memória Imaterial

Depois da apanha, o trigo é ceifado e debulhado. Atualmente já existem máquinas debulhadeiras, mas antigamente esse trabalho era feito manualmente, levando o trigo em cabulas (feixes de trigo) para as eiras, onde era debulhado com a ajuda das vacas. Em relação ao milho, eram feitas as ‘descamisadas’ e 4 ou 5 pessoas malhavam o milho, separando os grãos dos carolos. Atualmente já existe uma máquina para descarolar o milho.

A LAVAGEM E SECAGEM DO TRIGO

O trigo precisa de ser lavado, para que a terra, pequenos seixos e outras impurezas sejam removidos, e a farinha fique mais branca. Depois disso, tem de ser seco, antes de ser guardado. Antigamente isto era feito com recurso a alguidares, onde o trigo era lavado, e depois era seco com panos.  Mais tarde, este processo passou a ser facilitado com a utilização da ‘lavadoura’ – uma máquina de lavar e secar o trigo, inicialmente movida a gasóleo, e posteriormente, a eletricidade.

Depois, o trigo é guardado em arcas, de onde é levado para a moagem ou para a alimentação dos animais.

Maria Fernanda e Manuel Anacleto ©Memória Imaterial

A MOAGEM NA AZENHA

O processo de moagem na azenha começa na água que corre da nascente e que se direciona para a roda do moinho. A água cai na roda, através de uma calha de madeira, provocando o movimento giratório da roda, que por sua vez, irá movimentar as mós que estão dentro do moinho.

No espaço interior do moinho, o moleiro inicia o processo de moagem do cereal, em primeiro lugar, com o ajustamento das mós, que é feito através da alevadoura.

De seguida o cereal – de produção própria ou trazido por outros produtores - é colocado na moega por onde desce até à mó. Nesta fase o cereal é dividido de acordo com a respetiva mó, ou seja, o trigo é colocado na moega localizada acima da mó de trigo, e o milho na moega que o dirige para a mó de milho.

Os cereais vão descendo da moega para a mó através do chamador, que regula essa descida, para que a moagem seja bem feita. De seguida, através de uma pequena calha, a farinha cai para a tulha, finalizando o processo de moagem.

Tulha com farinha de milho e peneira ©Memória Imaterial

A VENDA DA FARINHA

Depois da moagem, a farinha tem que ser peneirada, antes de ser vendida aos clientes. No caso do milho, é peneirada pelos moleiros. No caso do trigo, são os próprios clientes que peneiram a farinha.  A farinha passa por uma peneira (espécie de caixa circular, com uma base de rede) e a arte de peneirar passa por três tipos de movimentos: rodar (andar à roda com a peneira e com a farinha); bater (bater a farinha de um lado para o outro) e sacudir. A farinha é guardada na tulha (arca) ou é ensacada para o cliente, e o farelo vai para os animais.

Quando a farinha resultava da própria produção de cereais era vendida aos fregueses a dinheiro, a cerca de 13 cêntimos (26 escudos) o kilo. Quando era produzida a partir dos cereais que as pessoas levavam ao moinho para moer, era normalmente paga através da maquia. As pessoas traziam o cereal num saquinho – talego ou farnel – e os moleiros pesavam-nos na balança, anotando o peso, e despejavam-no no tegão (depósito), que seguia depois o processo normal até à produção de farinha (lavagem, moagem e peneira). A maquia significava que uma parte desse peso do cereal servia de pagamento do trabalho do moleiro, normalmente 15 ou 20% do seu peso total. Por exemplo, se um produtor levava ao moinho 10 kilos de trigo, levava para casa 8 kg de farinha. Os restantes 2 kg eram a maquia, ou seja, o pagamento pelo trabalho realizado.

Registo para pagamento da farinha ©Memória Imaterial

Os fregueses podiam preferir pagar a dinheiro, e nesse caso, levavam a quantidade de farinha igual ao peso total do cereal em grão que tinham levado, pagando a maquia em dinheiro.

A farinha proveniente das maquias era guardada em arcas, servindo para ser vendida aos fregueses. Alguns pagavam logo na hora, outros negociavam o pagamento para mais tarde. Em tempos mais recuados, acontecia também alguns fregueses negociarem uma troca direta de bens, como por exemplo, trocarem uma oliveira por uma determinada quantidade de farinha. Essa troca era realizada com transferência de propriedade (da oliveira), fazendo com que ainda hoje Manuel Anacleto seja proprietário de algumas árvores localizadas em terrenos de terceiros (algumas delas recebidas de herança do seu pai).

Apesar de Manuel Anacleto não saber escrever, criou um sistema de registo da farinha entregue e da farinha paga, através de riscos e traços desenhados numa tábua de madeira. Na vertical, meio risco representa 25kg de farinha, e um risco inteiro representa 40 kg. Quando os riscos estão traçados por um risco horizontal significa que aquelas quantidades de farinha já foram pagas pelo cliente.