Transporte do sal da eira para os dumpers ©Memória Imateriall

Durante muito tempo, e até há poucos anos, a exploração das salinas fez-se por processos semelhantes, quando a água era tirada com baldes por meio da picota e todo o trabalho era realizado de forma exclusivamente manual. Tratando-se de um trabalho sazonal, a maioria dos salineiros eram também agricultores e acumulavam o trabalho das salinas na época de verão com o trabalho na terra (cultivo de vinha, batata, cebola, trigo, etc.) durante o resto do ano. Alguns dos salineiros eram proprietários dos talhos, enquanto outros arrendavam esses espaços para explorar o sal, dividindo a safra com os proprietários.

O trabalho nas salinas, inicia-se, normalmente, em maio, com a limpeza dos talhos e termina no final do verão, em setembro, com o seu armazenamento.  A primeira fase do ciclo de extração do sal consiste na limpeza das salinas, e dura, em média, todo o mês de maio.  Os talhos são raspados e lavados para que possam ficar livres de todos os lixos e impurezas antes de receberem a água do poço - “As águas da chuva com as águas salinas formam uma espécie de algas, uns limos, que precisam ser retirados” (José Casimiro).

 Reprodução de gravura das salinas de Rio Maior ©Memória Imaterial.

A segunda fase, e uma das mais complexas em termos da organização tradicional dos salineiros, consistia na retirada da água do poço e consequente enchimento dos talhos e esgoteiros. A água era retirada através de duas picotas ou cegonhas, o que exigia um grande esforço físico por parte dos salineiros. Os pilares (forquilhas) destas picotas ainda estão presentes nas salinas, apesar de já não estarem em funcionamento, uma vez que a água é agora retirada por bombagem elétrica.

Uma vez que até à formação da cooperativa, os talhos estavam divididos por vários proprietários que exploravam o sal de modo particular, e sendo a água do poço indivisível, era necessária uma sólida organização em torno da sua distribuição. Essa organização obedecia a regras consuetudinárias, e tomou o nome de ‘lei da água’ ou simplesmente de ‘lei’, estipulando que a distribuição da água pelos talhos era feita de acordo com a proximidade da sua localização em relação ao poço. Assim, em primeiro lugar, quem tinha o direito à água era o proprietário do talho mais próximo do poço, e só depois se abasteciam os que se situavam em zonas mais afastadas. Todo o processo era realizado de forma manual, e a salina funcionava 24 horas por dia, uma vez que os salineiros tinham de aguardar a sua vez do direito à água.

Nesta organização, cada salineiro, proprietário de talho, tinha direito a retirar 100 baldes de água do poço de cada vez, existindo depois uma margem de 20 baldes, para que o próximo salineiro chegasse perto do poço. Todos os salineiros conheciam esta ‘lei’ e sabiam quem era o próximo a receber a água, pelo que quando estavam a terminar de retirar a sua água, gritavam pelo nome da regueira do próximo salineiro. Caso este não se aproximasse do poço, tapava-se o buraco para a regueira com barro, depois do último grito de chamada, que seria, por exemplo “Ou Norte ou barro!“[1] (Casimiro Froes Ferreira).

 Para além dos talhos, alguns proprietários também tinham os seus esgoteiros, que serviam para a depuração e evaporação da água (tal como os atuais concentradores) mas também para dar água aos talhos, enquanto tinham de esperar pela sua vez do direito à água.

 

Esgoteiro e antigo concentrador ©Memória Imaterial.

Atualmente esta fase está muito simplificada porque, por um lado, a maioria dos talhos está integrada na cooperativa, o que facilita o processo de gestão da água e do sal, mas também porque a água é agora retirada do poço por bombas elétricas que a bombeiam para os oito tanques concentradores localizados na parte alta das salinas, com capacidade para cerca de 1 milhão de litros de água. Aqui, a água vai sendo depurada e evaporada à medida que passa de tanque em tanque,[2] aumentando o seu grau de salinidade[3] e daí é que desce, por gravidade, até aos talhos, através de mangueiras que percorrem toda a salina. Antigamente, a água salgada era encaminhada por regueiras, passando pelos babeiros (sítios por onde a água corria da regueira) para os diferentes esgoteiros e talhos.  

 

 Novos concentradores ©Memória Imaterial.

 A terceira fase do ciclo de produção e extração do sal realiza-se dentro dos talhos, e compreende as técnicas de regar, mexer, rapar e secar o sal. Nesta fase, os trabalhos ainda mantêm, essencialmente, a sua forma artesanal tradicional, apenas com algumas pequenas alterações dos instrumentos de trabalho e de alguns procedimentos que se adaptaram às obras de modernização dos talhos e das salinas e aos requisitos atuais do mercado, cada vez mais competitivo e exigente, em relação à qualidade do sal.

 

Talhos, talho mexido e eiras ©Memória Imaterial.

Os talhos ou cristalizadores, como já referimos, são espaços delimitados por pequenos ‘muros’ de madeira ou de cimento e, tradicionalmente, tinham o fundo em argila/barro. A argila sujava o sal, o que fazia com que existisse no centro de cada talho uma fileira de pedras, denominada de carreira, para onde os salineiros deslocavam o sal para o lavar. Progressivamente, a maioria dos fundos dos talhos foi sendo substituída por cimento ou pedra de calcário da Serra dos Candeeiros (que permitem uma maior limpeza e pureza do sal) pelo que as carreiras já não são utilizadas, embora ainda estejam presentes em alguns talhos.

Durante o período em que a água salgada está nos cristalizadores, existem alguns procedimentos que têm de ser feitos de acordo com as condições atmosféricas e com o ciclo de evaporação e cristalização do sal. Um desses procedimentos é a rega, que consiste em retirar água da barroca (pequena depressão existente em cada talho, que forma uma espécie de pia), e, com um cabaço, atirar para cima do sal em cristalização para aumentar a produção. O cabaço é um instrumento tradicionalmente construído em madeira e chapa, mas nos últimos anos, os próprios salineiros inventaram uma forma mais simples de construção, recorrendo a um balde de plástico e a um cabo de madeira.

Rega do sal com o cabaço, salineiro Manuel Silva ©Memória Imaterial.

Durante o período em que a água salgada está nos talhos, e de acordo com as condições atmosféricas, o sal tem de ser mexido para que não fique agarrado ao fundo. Este procedimento consiste na utilização da pá para a formação de algumas linhas paralelas, abrindo espaços no sal, sendo depois mais fácil de rapar. Esta técnica tem um efeito visual muito bonito nas salinas, formando vários padrões geométricos desenhados no sal.

Depois de cristalizado, o sal é ‘rodado’, ou ‘rapado’, uma técnica idêntica, mas realizada com instrumentos diferentes que justificam os nomes.  Anteriormente, quando o fundo dos talhos era de argila, utilizava-se o rodo (instrumento de madeira em forma de pá) e dizia-se que o sal era rodado. Quando os fundos passaram a ser de cimento ou de laje, o rodo foi substituído por uma pá de inox, dizendo-se agora que o sal é rapado. Ambos os instrumentos têm a função de retirar o sal do talho quando o processo de cristalização termina.

Depois de rapado, o sal é colocado nas eiras em forma de pirâmide e aí permanece a secar durante cerca de 60h, antes de ser transportado para os armazéns. Juntar o sal em forma de pirâmide permite acumular um maior volume de sal nas eiras, para além de servir de proteção para o caso de chuva, uma vez que a água escorre pela camada exterior da pirâmide, permitindo que o sal que está no interior permaneça seco.

 

 O sal nas eiras, em forma de pirâmide ©Memória Imaterial.

A última fase do ciclo da extração do sal é o transporte e armazenamento do sal. Este trabalho era, tradicionalmente, realizado de forma manual, recorrendo a cestas de vime, sacas para colocar às costas, padiolas e carrinhos de mão, com os quais os salineiros carregavam o sal até aos armazéns. Atualmente, os carrinhos de mão são ainda utilizados dentro das salinas, percorrendo as ‘baratas’ (caminhos por onde se circula no interior das salinas) mas depois o sal é transportado para os armazéns nos dumpers que são pequenos veículos de carga motorizados.

O sal nos armazéns da Cooperativa ©Memória Imaterial.

Atualmente, são recolhidas nestas salinas, mais de 2000 toneladas de sal por ano, que é escolhido, embalado e vendido, sem qualquer tratamento químico, para Portugal e para vários países da Europa.

 

[1] O último chamamento para retirar a água do poço correspondia ao nome da regueira que tinha direito á água. ‘Norte’ neste caso é apenas exemplificativo.
[2] Os tanques concentradores são comunicantes entre si.
[3] Normalmente a água é retirada do poço com cerca de 15 graus, e quando sai dos concentradores já tem cerca de 20 graus, começa a fazer sal por volta dos 23, 24 graus.