O gosto pela poesia e pelo fado
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Zanguei-me com o meu espelho
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O gosto pela poesia e pelo fado
O gosto pela poesia e pelo fado
Agostinho Correia
Eu não sou poeta
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Agostinho Correia
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Categoria: Memória / História de vida
Local do registo: Vila Verde dos Francos
Freguesia: Vila Verde dos Francos
Concelho: Alenquer
Data do registo vídeo: 8-6-2021

Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
Entrevistados: Agostinho Correia
Ano nascimento: 1941
Entrevista: Memória Imaterial
Transcrição: CLDS4G

O gosto pela poesia e pelo fado

“Eu sou de uma aldeia que é Penafirme da Ventosa, foi sempre uma aldeia que versejava-se muito bem (muito bem). (...) Não sei se foi derivado a isso, porque lá na aldeia toda a gente sabia fazer poemas (toda a gente sabia fazer poemas). Na altura do Carnaval era muito bonito, fazia-se versos (chamava-se pulhas) em que se picavam uns aos outros. Uns andavam de um lado e outros de outro. E depois aquilo à noite na aldeia (no meio) era muito bonito. Não sei se foi derivado a isso, sempre gostei de escrever e escrevo simplesmente para entreter a minha mente e daqui não quero passar. Gosto de os dizer a certas pessoas, meus amigos gosto de os dizer. Tenho dois mil e tal poemas escritos, mas é só para entreter a minha mente e daqui não quero passar.

Eu gosto muito de fado e sou capaz de ter mais de 70 fados escritos, porque eu em pequeno passava dias a cantar o fado.

“Eu sonhava em ser fadista mas foi um sonho estragado,

  É que eu cantava o fado de verdade com sentimento e ardor,

  O meu desejo era só vir um dia a ser cantor,

  Mas o destino cruel mais amargo que o fel quase que me deixou doente,

  Eu não sei se foi a tempestade por ela fui apanhado e o sonho foi na corrente,

  Mas eu não fui para fadista, o meu sonho preferido,

  Segui outra profissão e não fiquei arrependido”.

 

Eu não sou poeta

“Eu não sou poeta, eu não minto,

Mas meus poemas talvez os julguem melhor,

se os sentirem como eu sinto.

Nem sei se o gostaria de ser,

Porque eu escrevo simples quadras,

Para me estar a entreter.

Mas a poesia, a poesia e a ironia,

Vivem o dia a dia na mais pura fantasia,

Vivem da ilusão,

Não tem casas para a habitação,

Nem tão pouco moradas certas,

Alimentam-se da ilusão e do coração dos poetas.

No nosso dia a dia escrevêssemos e falássemos só em poesia

Não tínhamos ilusões que todo o mundo ia falar

De nós andarmos a imitar a profissão de Camões.”

 

Vila Verde dos Francos 1

“Andava Vila Verde dos Francos

Vestida de beleza e encanto

Por os seus antepassados

Quando El rei D. Afonso II de Portugal

A deu como foral

Aos povos chamados Francos

 

Católica por desejo de sua alteza

Foi firme nessa certeza

Que marcou o seu passado

É um marco na nossa história

Que a todos vem à memória

Se o seu nome é falado

 

As suas ruas velhinhas

Com casas de alpendres com escadinhas

De estilo Medieval

Quando a aldeia foi sede de concelho

Deste nobre Portugal

 

O destino marcou a hora

A quem da aldeia e deste mundo foi embora

E já não pôde ver

Ficava com a saudade

Ao olhar para vários lados

Sem ver os moinhos moer.

 

Mas quem de amores sofrer

E quiser mesmo saber

Se está apaixonado

Tem à beirinha da estrada

A sempre por amores desejada

A fonte dos namorados.

 

Nos seus monumentos

Aonde murou ilustre gente

E as suas lendas de encantar

Os sinos das suas capelas

Parecem rezar novenas

Quando lhe estão a tocar.

 

Certo dia pela tardinha

Numa sua capelinha

Com lágrimas no seu regaço

Aos ombros e no seu andor

E tendo a cruz como dor

Levam o Senhor dos Passos.

 

A imagem ao passar

Pelas ruas deste lugar

Cercado por vales e montes

E nos passos da sua dor

Levam Cristo Senhor

Até ao sermão de encontre

 

Mas há um momento solene

Que qualquer coração treme

Com toda a força que tem

É quando Cristo Senhor

Ele vê em outro andor

O rosto da sua mãe.

 

Deus no céu a ouvir

As lágrimas a cair

De quem esteve a chorar

E no silencio da tristeza

Levam as imagens para a igreja

Para os meter no altar.

 

No silêncio da procissão

Levam os anjinhos pela mão

Com a noite quase a chegar

E o padre pregador

Disse que Cristo Senhor

Ia por todos rezar.

 

 

O barco da nossa vida

“É neste barco da vida

Que temos de navegar

Por oceanos vibrantes

Com mar calmo ou de ondas constantes

Mas sempre sempre a navegar

 

Mas há os que durante a viagem

Por entre os dedos das mãos

Lhe vem a sorte fugir

A sorte que ao mar caiu

E se encontra a naufragar

Só quem de outro barco chega

Nos pode a sorte salvar

Para a viagem seguir

E o barco navegar

 

E há outros que no começo da viagem

Tem logo a sina marcada

E pouco depois da partida

É logo o fim da viagem

 

Os que fazem esta viagem

Que o destino lhes concedeu

Só fazem outra viagem

Quando partirem para o céu.

 

Essa viagem para o céu

Foi logo por Deus marcada

Nem todos vão para os mesmos sítios

Nem seguem pela mesma estrada.

 

No dia da última viagem

Quase todos levam sinais

Mas ela é triste e dolorosa

Para os que ficam no cais.

 

Aqueles que ficam no cais

As suas lágrimas enxugar

Sabem que um dia mais tarde

Outros por si vão chorar

 

Mas em todos os dias do ano

A este barco da vida

Estão clientes a chegar

O bilhete alguém lhes comprou

Pelo o seguimento da vida

Ou por amor e coragem

E até a este barco da vida

Os trouxeram para fazer a sua viagem.”

 

Desvios da saudade

“Como nada se passasse

Sem que a saudade pensasse

Aí neste meu sofrimento

Assim passou a meu lado

Sem querer fiquei calado

Com a minha alma doente

 

 Mas a saudade ao passar

 Fintando o meu olhar

 Que olhava para o seu

 Eu não quis ir protestar

Decerto ela não viu

Que eu caí sem tropeçar

 

Nem foi como uma planta

Que da terra se arranca

Pela sua triste e má fama

Há saudades que são piores

Causam tristeza e dores

Sem nunca se ver as melhoras

 

 

A mó do moinho por ser branca

O trigo ela não encanta

Para ele é tudo indiferente

A mó mói o trigo

E a saudade sem sentido

Mói ela a vida da gente   

 

Quem parte leva saudades

Puras limpas de verdades

Que sofreram a sua dor

Como a saudade dissesse

E ela alguém convencesse

Com ela se vive melhor.

 

Não tenho gosto nem prazer

Neste mundo eu dizer

E nem sequer por chalaça

Não tinha nenhuma graça

Eu dizer a toda a gente

O que da saudade não se passa

 

Se até a própria ilusão

Invade sempre o coração

E com ela se confunde

Não é talvez por maldade

Que a palavra saudade

Anda nas bocas do mundo

 

Vidas às vezes perdidas

Saudades escondidas

Neste mundo a vaguear

Sem terem um teto como lar

Retalhos de esperança e saudade

É o que mais se ouve falar.

 

Terá isto algum reverso

De saudades escritas em verso

Se alguém vai duvidar

Talvez contra o seu gosto

Só os burros estão dispostos

Sofrer sem protestar

 

Tento escrever com primor

Com todo o gosto e amor

A minha mão não se cansa

Neste mundo que por mim passa

Diga lá senhora saudade

De mim mais quer que eu lhe faça.”

 

 

Zanguei-me com o meu espelho

“Zanguei-me com o meu espelho

Para o lixo o quis deitar

Mostrou-me a minha cara

Pior do que eu estava a julgar

 

Ele viu-me mesmo zangado

A lamentar a minha sina

Disse que não era culpado

Mas era a cara que eu tinha

 

É que a idade não mente

Tu deves estar consciente

Deixas-te de vir à minha frente 

E passar os anos por ti

Vês que estás diferente

 

Mas meu espelho aflito

Que deu para ele olhar

É que a cara que eu tinha

Era de ver os anos passar

 

Mas ouve lá espelho meu

Eu te vou explicar

Tu querias meu espelho

Acredita nos conselhos

Da mulher que vim a casar

 

Tu vê lá que eu como espelho

Tenho o dever de sê-lo

E toda a gente me tem

Mostro a levidão, a elegância e a beleza

A velhice e a tristeza

E não engano ninguém

 

Os anos que por mim passaram

Com ele fiquei contente

Será que estou como tu dizes?

Agora assim tão diferente

 

Mas espelho qua ainda és meu

E te gabas de tudo o que é teu

E me dizes com certa lata

O que devia fazer e já me estou a arrepender

Não te ter metido na sucata

 

Se me metesses na sucata

Eras a risota da malta

A tua ideia te mente

Se outro espelho fores comprar

Ele também te vai mostrar

O que tu és no momento

 

Terminei a discussão

Meu espelho tinha razão

Mas eu não gostei do que ouvi

Mas neste mundo que nasci

O tempo me há de levar

Eu de novo não morri

E de velho não vou escapar.”

 

 

Vila Verde dos Francos 2

“Vila Verde dos Francos

 A aldeia que foi a primeira sede de concelho
 De Portugal

 Diz a história que foi mesmo verdade

 Que foi doada como foral no ano de 1217

 Por D. Afonso II de Portugal

 Ao cruzado D. Alardo

 

 Os primeiros cruzados

 Que vieram para Vila Verde dos Francos morar

 Gostaram da sua franqueza

 E a aldeia pode dizer de verdade

 Que fez parte do berço

 Desta nação portuguesa

 

 Nomes ilustres desta história

 Gostaram de na aldeia morar

 E de alguns o seu nome aqui os vou lembrar

 Pero Moniz, os pais de Afonso Albuquerque

 Noronhas, Angejas e Camões

 

O poeta que nesta aldeia morou

E por uma dama se apaixonou

Ele escreveu como sendo um amor puro e sentido

Essa dama

Que no palácio da aldeia morava

E por seu nome se chamava

Catarina de Ataíde

 

Foram estes e outros nomes ilustres

Da história de Portugal

E de Vila Verde dos Francos

Mas que o tempo os perdeu por ela ao passar

Mas que nós não esquecemos

E aos outros gostamos de recordar

 

A Serra de Montejunto

Que perto desta aldeia se encontra

E nas suas encostas os moinhos

Que já não estão a trabalhar

E os sinos das suas capelas

Que convidam o povo a rezar

 

Os símbolos da aldeia

O Palácio e o Castelo embora em ruínas

E o Convento todo ele modificado

E à beira da estrada

A fonte dos namorados

 

A fonte Nova

A dos Arcos e dos Plómes

Que parecem teimar

Para a história as lembrar

Em que o povo não as esquece

 E as gosta de recordar

 

É esta a história do passado

Que no presente aqui se está a falar

E que a aldeia

Durma muitos e muitos anos descansada

Em cima do que ela tem para nos mostrar

 

Mas Vila Verde dos Francos entretanto

Tem uma palavra de gratidão

A todos os que trabalharam para a ver nascer

E outra aos que no correr dos séculos

Não a deixaram morrer.”

 

As últimas páginas

"Eu depois de escrever 2000 poemas pensei assim: Alguém que leia isto tudo depois chega à última página e o que é que ele vai dizer? Gostou? Eu tinha de saber se ele gostou ou não gostou. Se a pessoa que leu (se os meus editarem um livro, eu para isso não quero). Mas fiquei a pensar (…) quem for ler isto depois chegar à última página eu tinha de fazer uma pergunta. Então fiz assim (é mesmo a última página), embora aquilo não seja um livro, um dia se alguém quiser tem de ser um livro. Então tive de escrever como sendo um bloco, mas aqui escrevi assim:

“São estas as últimas páginas

Que nesta agenda suportam

Os meus últimos poemas

E as outras atrás

Com o correr dos anos

Tenho vindo a escrever

Espero que os teus olhos

Os tivessem gostado de ler

E por todos eles também tivessem passado

E que deles tu também tivesses gostado

Deixo ao teu gosto esse encargo

Eu não fico chateado

Dos poemas que escrevi

Tu não tivesses gostado

Mas faço esse julgamento entre mim

Decerto já leste piores

Do que estes que eu escrevi

Porque a poesia

Ela tem que ter a silaba

E a palavra certa

Eu fiz a minha vida

Com a profissão de “chofer”

E não como fosse poeta

Nem sei o que escrevi é poesia

Escrevi sobre o que via

Do meu próprio dia a dia

Sobre mágoas, alegrias e paixões

E de certas desilusões

Que eu julgava que estava a ver

O que a minha mente me deu

Para as minhas mãos escrever

Muitas as vezes

Cansadas e fatigadas

Mas que eu ao escrever

Era a maneira de as trazer ocupadas

E elas nunca gostaram

De fazer a vida muito descansada

Nem ter ilusões com o destino

Que as levasse para outro caminho

Mas quero dar-lhe esta alegria

Do que tem feito por mim

E pelas minhas mãos lutarei

Até chegar ao meu fim

E sobre tudo o que escrevi

Termina também aqui

Mas depois de eu morrer

A minha biografia

Alguém a queira escrever

E de mim mais queira saber

Da vida como a vivi

Tem a data que eu nasci

E aquela que eu morri. E se não sabia

Ficou a saber os anos que neste mundo vivi.”

Freguesia: Vila Verde dos Francos