- Categoria: Memória / História de vida
- Local do registo: Vila Chã
- Freguesia: Ventosa
- Concelho: Alenquer
- Data do registo vídeo: 24-5-2021
- Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
- Entrevistados: Graça Marques
- Ano nascimento: 1943
- Entrevista: Memória Imaterial
- Transcrição: CLDS4G
Círio à Senhora da Misericórdia (1 de 8)
“Como o meu pai tinha muita paciência para me aturar, eu ia sempre fazendo perguntas do que é que se tinha passado, das coisas do tempo dele, das coisas que ele sabia dos antigos e ele foi-me sempre dizendo. E ele já me contava que esta tradição (já não se lembrava quando é que ela tinha começado porque já tinha começado muito antes, no tempo dos avós dele). Eu fui registando na minha cabeça as coisas que ele me ia dizendo. Quando me considerei como gente comecei a participar, não é?
[O Círio] era feito com carros de bois, dizia o meu pai que isto (…) tinha começado aqui, [em] Vila Chã ‒ porque diziam que lá em cima tinha aparecido uma santinha quando os trabalhadores andavam a trabalhar e eles apanharam a imagem e levaram-na para a igreja mais perto, mas a santinha desaparecia sempre que eles [a] levavam para lá, desaparecia para aquele sítio [onde tinha sido encontrada]. Muito mais tarde fizeram a igreja lá nos Casais da Misericórdia e então começaram a ir um carro daqui e um carro de lá [Casais Galegos].
O carro arranja-se sempre no dia antes, vamos à murta (antigamente fazia-se rosas de papel, agora já não se fazem rosas de papel, porque temos rosas de plástico, né? são mais duradouras e é mais fácil, temos as flores de plástico), enfeita-se com murta e flores de plástico. Depois leva por cima uma colcha grande grená, tem um lençol com duas bonitas rendas ‒ uma dum lado e outra de outro, para aparecer por debaixo da colcha. Há uma cruz que se enfeita e que se põe na frente do carro, e a bandeira que pertence à senhora da Misericórdia, e vamos para cima (…).
Íamos para cima aí por volta das 10 horas da manhã, deitavam um foguete lá em cima, outro cá em baixo ‒ que era para saber quando é que tínhamos que abalar daqui com os carros. Neste dia não havia trabalhadores mensais, era sempre rurais que andavam a trabalhar dia-a-dia e então no dia do Círio fosse segunda, fosse quarta, fosse sábado ninguém trabalhava! Ia tudo a acompanhar o Círio. Chegávamos lá acima, ao alto da serra, comia-se um bocadinho de bolo ‒os miúdos queriam acompanhar um bocadinho de bolo, os velhotes bebiam uma pinguinha de vinho (…) e voltávamos para baixo. Eles seguiam para cima para a Misericórdia. Isto era uma coisa que levava quase um dia a chegar lá acima, os animais tinham que descansar, então iam para cima e a gente voltava para baixo. Isto é dia 7 de setembro, era feriado para toda a gente cá do lugar, 7, 8 e 9 era uma maravilha e depois tinha os bailaricos 9, 10 e 11.
Quando chegamos lá acima são sempre 3 voltas de roda da igreja da Misericórdia. [Mas antes], quando chegamos aos Casais, um bocadinho antes as bandeiras põem-se a jeito, vai tudo em procissão. Os de cá porque depois juntamo-nos aos da Aldeia Grande e passa-se a dar aquelas 3 voltas, deixa-se a bandeira e o guião na igreja e (…) temos lá uma casa, e vamos para aquela casa ‒ [tem] sala, casa de jantar, cozinha e quarto. Era maravilhoso quando a gente lá chegava. Agora já há outras coisas, há outras comodidades felizmente, mas antigamente um cobertor reles ia para o chão e tudo dormia no chão, maravilhoso. Ainda este ano dormem no chão ‒ [mas] já tem outras comodidades, tem aqueles colchões de encher, né? Já são outras coisas, mas antigamente era sempre nos cobertores e depois durante a noite toca de fazer partidas uns aos outros (atar os pés, esconder os sapatos…) essas coisas assim, que se fazem nestas tradições.
No outro dia, ou seja, dia 8 é dia da feira! Grande feira! Tudo! Calçado, frutas, hortícolas, agora também já vendem mobília. (Vendiam gado antigamente, agora a feira do gado já não existe, mas vendiam muito gado lá e melão, melancia, alhos, cebolas ‒ aquilo era mais a feira da cebola (…), tudo ia à cebola à Misericórdia). Depois naquela casa guardava-se tudo, hoje já não é preciso (…) [guarda-se nos] carros... Mas naquela casa, todas as pessoas que iam à Misericórdia (…) [guardavam lá muita coisa] ‒ eram cestos, era cebolas, tudo o que eles comprassem iam para aquela casa ‒ dava sempre para ter as coisas e para a gente dormir. E então quando era no dia 8 havia a missa que era (…) às 10 da manhã, [depois] os festejos de uns e outros (…) [da] Labrugeira e Vila Verde dos Francos também, mas esses já não se juntam connosco pelo caminho, juntamo-nos lá (…). E então cada qual tem a sua casa ‒ assim mais ou menos como a nossa, dormir no chão (risos) e coisas assim.
A tradição ‒ as voltas lá em cima e o ficar ‒ é [igual àquilo que se fazia antigamente], só que agora já temos luz [e] já temos uma casa de banho comunitária (…). Já há transportes, as pessoas já vão lá e vem ficar a casa e depois vão no outro dia de manhã. Já é diferente do que era antigamente, porque [antigamente] iam para lá e já não vinham a casa senão só no 3º dia, iam no dia 7 e vinham no dia 9, chegavam cá ficava tudo estoirado.
A igreja enche toda, gente por fora e tudo, é a tal nossa missa dos Círios ‒ a de Vila Verde e a da Labrugeira às 9h da manhã, a nossa ‒ e a lá de cima da Aldeia Grande às 10. Depois há música, há bailes durante aqueles dias. (…) Quando chega a dia 9 de manhã há outra missa que é a despedida dos Círios às 9h da manhã, e depois começamos a vir para baixo.
Vimos para baixo, por aí fora (almoçava-se sempre durante o caminho na Charneca, agora já não se almoça), ficam só os da Aldeia Grande e nós vimos embora. Fazemos depois a entrega da bandeira, um ano aqui outro ano em Casais Galegos. (…) Antigamente embora não fosse assim nada de luxos, (…) era muito giro porque quando vínhamos para baixo direito à Serra Galega chegava-se por cima de Casais Galegos ‒ que é ali um lugarzinho ali em cima ‒ (…) [e estavam lá] os burros, os machos (os senhores mais abastados [com] os seus machos todos engalanados para trazer a bandeira e para trazer o guião, os mais pobrezinhos tinham os burros para acompanhar) e o carro vinha por ali abaixo. Chegava [e] ‘tava sempre uma multidão enorme à espera. Vinha-se fazer a entrega da bandeira ou aqui ou lá em cima. Se fosse aqui dava-se 3 voltas aqui direito ali à coletividade, saia-se ali em cima, dava-se a volta aqui (3 voltas aqui) e depois faz-se a entregada da bandeira. Lá em cima faz-se as 3 voltas na mesma, os 2 carros e depois vai um carro para cima (o de cá) entregar a bandeira lá em cima em Casais Galegos, mas isto é realmente uma coisa que me deixa muita saudade… muita saudade!
[Depois] vinha-se para aqui, como eu disse, havia aqui grandes bailes e então era sempre a ver o que fazia as entregas melhores, os bailes melhores. Antigamente saía-se 2 meses, ou talvez mais, para fazer pedidas por fora, levava-se uma bandeira, iam 2 homem que fossem festeiros, ou alguém pago pelo festeiro que não pudesse ir (pagava a 1 homem para acompanhar o outro) e iam dar a volta (…) muito longe mesmo, a fazer a pedida ‒ porque isto era uma festa muito dispendiosa! (Esta coisa da opinião também conta ‒ e então se lá em cima num ano deitassem por exemplo 20 dúzias de foguetes, cá em baixo tinha-se que deitar 22 ou 23 no outro ano. Se aqui em baixo fizessem assim, lá em cima tinham que deitar [mais] no outro ano) (risos). De maneira que isto era uma teima que era difícil de acabar. Depois começou a não se pedir por fora, a ter que se fazer o Círio de outra maneira. Acabou o gado e começou-se a fazer-se com tratores ‒ então vai sempre 2 tratores (um daqui e outro lá de cima) todo engalanado com flores que a gente põe. Há os bolos do mordomo que se fazem para vender para (…) custear as despesas, né? Fazem-se uma semana antes (…) os bolos do mordomo que as pessoas já sabem que é tradição e que encomendam. Um bolo que deve pesar aí 250 gr cada um, e depois vendem-se esses bolos para que se possam custear as despesas do Círio.
O gaiteiro agora só vem por exemplo à pedida e à entrega do Círio. Antigamente estava 1 semana na nossa casa e tínhamos que o sustentar. Chegavam cá, havia bailaricos no dia 9, no dia 10 e no dia 11. (…) Assim que se ponha o sol ‘tavam logo os acordeonistas …, uns conjuntos …, e depois só se saía daqui de manhã. E ainda havia outra coisa, falavam sempre a uma aparelhagem que era para ‘tar aqui com barulho durante o dia, atão as pessoas mais jovens (…) dormiam um bocadinho e depois vinham para aqui outra vez. Bailava-se toda a noite e toda o dia, assim é que eu gostava. Mas já há tanto ano, eu tenho uma pena enorme se isto acaba, eu queria ver se enquanto cá tivesse não acabava.”
Os pedidos (Círio 2 de 8)
“A pedida antigamente [fazia-se] em lugares longe e aqui perto, agora fazem só [aqui perto, em]: Parreiras, Vila Chã e Casais Galegos. (…) É alguma coisa que dão que vai colmatar as despesas (…). O gaiteiro só vem pago, antigamente (…) eles vinham uma semana para a nossa casa. Os lugares aqui perto eram sempre pedidos com o gaiteiro e depois quando chegava a noite regressavam. Os festeiros é que tinham que de dar comer e guarida ao gaiteiro que viesse. (…) Depois ia para cima connosco, com o festeiro que fosse naquele ano. E estava os 3 dias lá em cima, era uma festa muito dispendiosa.”
A capela de Casal Novo (Círio 3 de 8)
“O carro dos bois ia para cima, levava o que a gente chamava “cabazes de raposa” — cabazes feitos em verga — e levava os coelhos e as galinhas para a gente lá matar em cima, às vezes coitadinhos "suicidavam-se" pelo caminho. (risos) Morriam alguns. Chegava-se lá acima, sangrava-se, era uma maravilha, estava mais adiantado. (…) No percurso do nosso caminho, depois da Charneca, há ali um sítio que se chama o Casal Novo, esse Casal era sempre uma paragem obrigatória — (…) [por isso, com a ajuda dos Círios, edificou-se] lá uma capela. (…) Eles, em consideração ao pessoal (quando vamos para cima e paramos lá, nessa capela), têm sempre comer para dar (…) — sumos, bebidas, ... Quando a gente lá vai para sempre ali um bocadinho antes de seguirmos para a Misericórdia (…). Ficamos satisfeitos por saber que também contribuímos para alguma coisa (…).”
O bolo do mordomo (Círio 4 de 8)
“Era um bolo de massa, massa de pão, depois levava açúcar, limão e um pouco de canela. Era amassado, depois levedava durante umas poucas horas, depois era moldado em ferradura e era feito nos fornos de lenha. Era um bolo grande (…), deve pesar aí 250 gr cada bolo. [Ainda se confeciona desta forma]. (…) São depois vendidos para custear as despesas. Quando andamos na pedida perguntamos logo se querem um mordomo e as pessoas encomendam. (…) [São feitos] mais alguns porque depois é preciso (…) cortarmos [para] pomos lá em cima na Misericórdia e [para] quando voltamos termos uns bocadinhos de bolo para darmos às pessoas que estão [à espera do Círio] (…). As pessoas já estão habituadas e há uns que querem 1 ou 2 [bolos], também há outros que querem 1 dúzia ou mais (às vezes acontece), temos de estar preparadas com bolos a mais para essas pessoas."
Os cânticos de maio (Círio 5 de 8)
“Os cânticos de maio são normalmente os que se cantam de roda da igreja quando andamos a fazer as voltas. O 13 de maio por exemplo, que é um cântico de Fátima e que cantam em todas as igrejas (…). Dependendo do que é a missa, do evangelho que tem a missa, (…) procuram os cânticos que gostam e que se fazem na igreja, nas missas normalmente."
"A treze de maio na Cova da Iria
Apareceu brilhando a Virgem Maria”
Quando se dá as voltas, vai-se cantando os cânticos da igreja, os cânticos de maio. A oração é a missa dedicada à Senhora da Misericórdia (é uma missa normal, só que é mencionado que é para os festejos dos Círios que vão lá acima.)”
O Festeiro (Círio 6 de 8)
“(…) [Os Festeiros são cada ano] (…) 2 ou 3 pessoas. Depende das pessoas que gostem de ir, né? (…) [É] num ano de um lugar, no outro ano do outro. No primeiro ano que seja o Festeiro (…) daqui é o Juiz lá de cima [Casais Galegos] (…). Quando o Festeiro é lá de cima é o Juiz daqui (…). Este ano temos cá o Juiz (é a Sílvia e a Xana e a lá de cima é a Isabel), e depois vamos ver quem é que será com a continuação, vamos ver.
Na pedida, o gaiteiro e as despesas são com o Festeiro. Quando o Festeiro é la de cima as despesas são com eles lá de cima. (…) Quando se chega lá acima paga-se. Antigamente pagava-se 500 escudos, antigamente. Agora paga-se 10 contos, ou seja 50 € — é para a casa, para o que se gastar lá e [para a] missa (…). O Juiz é só [para acompanhar] e assistir à missa lá em cima. O Festeiro assiste à missa e o Juiz acompanha sempre, seja ele lá de baixo ou cá de cima (aqui de Vila Chã ou de Casais Galegos). A missa é feita para os Círios, o Juiz e o Festeiro acompanham sempre — começam e acabam a missa com uma vela acesa, ao pé do altar, para acompanhar a missa do Círio (…).
As diferenças (Círio 7 de 8)
“Agora é diferente, é muito diferente e realmente é uma pena se isto acaba… Uma porque a volta é diferente, tem de se procurar caminhos bons para os tratores passarem, outra porque [no fim] (…) chegava-se aqui por o lado das 5 horas, mais ou menos, [e] (…) estava o pessoal todo lá em cima à espera, era uma procissão por aí abaixo, depois dava-se a volta (o pessoal acompanhava sempre o carro), dava-se a volta com os animais.
Num ano houve aqui um grande fogo (…), os foguetes eram muitos e faziam a entrega com dúzias e dúzias de foguetes. Num ano — a gente chama agora de (…) Calçada das Lajes, (…) — houve uma fagulha do foguete que (…) ardeu aquilo tudo (mas não foi por isso que ganharam medo e continuaram na mesma). Agora não! Nem foguetes há, os bailes deixaram de se fazer (…).
já não é feriado no nosso sítio, porque cada qual tem o seu emprego, cada qual está mensal, mesmo as quintas já são mensais. É muito diferente do que era a gente poder largar o trabalho, deixá-lo 2, 3 dias ou 4 porque agora, pronto, é tudo mensal e agora já não deixam os trabalhos assim.
Antigamente quando eles tinham os animais lá em cima mesmo para venda, benziam tudo, os animais que estavam e os que vinham para fazer a feira, agora já não, já não é preciso, não há animais!"
A Serra Galega (Círio 8 de 8)
“Eu gostava muito que viesse aquela estrada da Serra Galega, como eu disse, mandavam umas máquinas ir fazer aquela estrada para se poder passar com o Círio. Passava com o Círio por ali acima, passávamos ao Casal do Carrascal e depois saímos à Aldeia Grande para seguir para a Misericórdia. E agora já não, agora temos de ir dar a volta à Folgarosa, Casais de Stº António, Maxial… Já não é como era, já não é o nosso concelho. [Indo à Serra Galega] (…) passávamos sempre no nosso concelho (…).”
O Carnaval antigamente
“O Carnaval para a gente era sagrado, 'tavámos aí… Eu cheguei a “escangalhar” os pés por causa de andar atrás deles para os mascarrar (risos) — Ia-se às panelas velhas (antigamente não havia gás, era tudo feito a lenha), ia-se às panelas velhas mascarrava-se as mãos e corria-se aí atrás dos rapazes entre montes e vales a ver se os mascarrava-os, e mascarrava-os todos (eles deixavam-se mascarrar, eles coitados não tinham contacto nenhum com as raparigas se não fosse assim).
Na altura do Carnaval fazia-se aí um boneco, enchia-se uma roupa com palha — era o boneco do Entrudo que era para se fazer o Enterro do Entrudo.
Os rapazes iam trabalhar, (pronto, rapazes novos, né?) iam trabalhar à Quarta-Feira de Cinzas, mas quando iam trabalhar a gente já sabia para onde é que eles iam. Quando chegava a altura de eles virem jantar (havia almoço e jantar) (…) íamos lá onde eles tinham ido trabalhar e roubávamos as enxadas e trazíamos para casa, e depois eles tinham de vir embora para ir enterrar o Entrudo.
As pulhas — sabia-se às vezes muitos segredos por causa das pulhas. (…) Os rapazes andavam a cavar, mas a enxada não pesava porque a mocidade não deixava e então de um lado para o outro, de uma fazenda para outra fazenda gritavam uns (…): “Aqui vai a minha pulha e esta pulha vai para o ar, a fulana (o nome de uma rapariga) começou ontem a namorar (risos). Começavam a pulha, mas em altos gritos, em altos berros pois o outro respondia-lhe (…). Outra vezes era a rapariga que já estava "apanhada" do rapaz ("apanhada", isto é, hoje é "convívio", é "andar", mas naquela altura uma rapariga que tivesse beijada de um rapaz, meu Deus! Já não ia para outro, e se fosse para outro tinha de ser para um velho, ou para um quarentão que não tivesse quem o quisesse. Porque aquela rapariga se tivesse qualquer coisa com um rapaz já não tinha quem a procurasse. Isto é uma ideia torcida, mas pronto era assim… uma rapariga que tivesse por exemplo a sorte, ou a pouca sorte, de ter um filho solteira e que o rapaz se fosse embora já não podia escolher um rapaz para ela, já tinha de ser uma coisa "feita" porque já tinha um filho de outro. Hoje é uma coisa corrente uma rapariga ter filhos e arranjar um outro companheiro, um outro marido. Antigamente não era assim, tinha que (…) ser um casamento [com] uma pessoa idosa ou um viúvo, ou uma pessoa que já tivesse passado aquela idade da juventude do namoro, porque aquela rapariga já não era escolhida por qualquer rapaz). E eles nas pulhas às vezes iam buscar estas coisas todas, ou porque aquela já está enganada, ou porque o outro já acabou namoro ou porque… (…) nas alturas da Quaresma, nas pulhas, iam buscar isto tudo… ou iam buscar uma mulher que tivesse mais tempo a conversar na rua, estas coisas iam todas nas pulhas (risos). Então chamar bêbados uns aos outros era uma coisa que não tinha explicação: “Aqui vai esta pulha para cima da oliveira, fulano tal ontem tinha uma granda bebedeira!” Eram estas coisas todas assim (…).”
O Baile da Pinha
“Depois começou-se a fazer o Baile da Pinha, cá em Vila Chã também se fazia, muito bonito — uma pinha grande no meio da casa onde se estivesse a fazer o baile, depois, dentro [da pinha] havia uns pombos brancos ou umas rolas e o par que ganhasse, [que melhor dançasse] na altura da dança da pinha, tinha um trono e puxava a fita que abria a pinha e saía aqueles pombos, era muito engraçado, muito bonito… Depois começou-se a fazer bailes todos os domingos da Quaresma até que acabou tudo e agora já não bailes nenhuns!”.
5ª Feira da Ascensão
“Agora pouca gente vai apanhar a espiga, mas na minha altura havia grandes bailes ali numa quinta (a Quinta da Grilla) e então raparigas e rapazes juntavam-se e iam apanhar a espiga — um bocadinho da oliveira, um bocadinho da cepa, as espigas e as flores terrestres, e depois íamos para o baile. E então diziam os antigos que na 5ª Feira de Ascensão não se trabalhava, não se fazia nada. Na véspera iam apanhar comer para os animais, iam apanhar o que houvesse para comer, ervilhas ou outra coisa qualquer (quase sempre era ervilhas, para fazer com o coelho na 5ª feira de ascensão). [Dizia-se] que havia uma hora que "nem os pássaros iam aos ninhos, nem a água corria nos rios". Isto era uma coisa que me fazia muita confusão, como é que a água parava e os pássaros não iam aos ninhos? Mas era o que dizia a história, que na 5ª Feira de Ascensão ninguém fazia nada.
Um dia uma senhora foi fazer a limpeza e caiu lá em casa numa parede e [dizem] que essa parede, no outro dia, tinha pingos de sangue a escorrer por ela abaixo — porque [a senhora] infringiu a norma da 5º Feira de Ascensão, do dia Santo. Eles diziam isto e a gente sabe (…) que eram histórias, penso eu que eram, mas era assim! A 5º Feira de Ascensão era muito guardada antigamente, ninguém fazia nada nas fazendas (…).
O ramo era guardado com um bocadinho de pão dentro, o pão não embolorece dentro do ramo da espiga, 'tá de um ano para o outro e não embolorece. (…) Só se deitava fora no outro ano a seguir, quando se fosse apanhar a espiga novamente. Por exemplo, o meu 'tá atrás de uma porta, 'tá la penduradinho até que venha (se Deus quiser, se eu cá tiver) para o ano outra vez!”
Festa de agosto em Vila Chã
“Tínhamos uma festa de Agosto dedicada à Rainha Santa. Quando era em agosto, na segunda quinzena de agosto (…) havia 3 dias de festa em honra da nossa senhora (da rainha Santa Isabel) no Largo de S. Sebastião.
(…) Nessa altura o pessoal que tivesse de fora [voltava para a festa]. Eu por exemplo 'tava em Lisboa [a trabalhar na casa de uma senhora] (…) [e] quis vir à festa de agosto e ela não me deixou e eu vim-me embora, 'tive que vir à festa na mesma… Eu dizia-lhe assim: “Deixe-me ir menina, deixe-me ir, eu vou num dia e venho no outro (atão na ia, era mesmo a correr que eu ia lá, apanhando-me cá na festa ia logo a correr (risos.)” "Ah não pode ser, não pode ser" – respondiam. Uma irmã minha que 'tava lá em Lisboa também já tinha vindo, (…) deixou lá a mala de cartão onde eu 'tava e ela veio-se embora. Quando ela veio ainda fiquei com mais vontade de vir (já se vê). Fui-lhe pedir outra vez, ela não deixou, vim-me embora!
Quando cheguei, faziam-se as bandeirinhas e os laços e as coisas para pôr no baile, para se enfeitar o largo (numa casa que hoje está toda deitada abaixo, era a nossa antiga casa do baile), ali é que se faziam as bandeirinhas para se enfeitar [o] largo (…) [e enfeitava-se] a Ermida.
Quando eu vim para cima, cheguei, e antes de ir para casa, fui ali ver a minha irmã (ela 'tava lá arranjar as bandeiras) (…), ela coitada 'tava lá tão bem, quando me viu entrar a porta para dentro pôs as mãos na cabeça assim: “Ai o pai...”. "Olha paciência!" Fui pôr a mala de cartão em casa da minha mãe e vim ajudar a fazer as bandeiras. Quando cheguei [a casa] era noite, o meu pai já tinha vindo do trabalho. Cheguei a casa, fui-lhe falar, e diz ele assim: (a minha mãe já lhe tinha dito que eu que me tinha vindo embora) “Olha filha vieste embora a Bichinha tá à tua espera” (a Bichinha era a quinta ali em baixo) “A bichinha tá à tua espera”, ele não me ralhou, mas eu já sabia que era assim…
(…) Nas festas aqui na Ermida era sempre até de manhã, saía destas escadas por aqui abaixo a correr, chegava a casa mudava de roupa e ia para o trabalho lindamente bem, não me doía nada (risos). São coisas que ficam na ideia."
As contradanças
“Nossa terra é Vila Chã
uma aldeia pequenina
Fica à beirinha da serra
Fica beirinha da serra
Onde verdeja a colina
Os nossos campos tão belos
Produzem o que a gente quer
Não há paisagens mais lindas
Não há paisagens mais lindas
que as paisagens de Alenquer
O nosso rancho é um primor
Cheio de vida e de folia
Mocidade e liberdade
Vamos cantar à vontade
neste dia de alegria.”
E o vira é um laço:
“O vira é um laço
que aperta pelo meio,
aligeira o passo,
aperta o teu seio
o virá é primor,
é lume que é brasa
é chama de amor
vai encher a casa”.
Eram estas coisas assim que a gente cantava, quase sempre coisas inventadas pela cabeça de quem gostava daquilo, né? Era um rapaz que pusesse na ideia que havia de fazer uma contradança e que tivesse ideias, fazia-se uma contradança. Eu assim que ouvia falar que havia uma contradança ia logo ter com ele (o nosso mestre): “Olha vai pedir ao meu pai” (…) — mas não podia ser ideia minha, tinha que ser ele a ir pedir ao meu pai (…). O meu pai também gostava daquilo, raramente dizia que não. E lá íamos nós. [Em] janeiro, e às vezes antes do dia de São Vicente, já 'távamos a ensaiar. (…) Era a ideia dele [do mestre] é que fazia a gente dar aquelas voltas e aquelas coisas que a gente fazia. E (…) antes do Carnaval a gente saía aqueles 3 domingos, depois saia-se no domingo de Carnaval, na segunda e na terça (dávamos a volta aí).
(…) Fazíamos isto tudo a pé: Penusinhos, Labrugeira, Olhalvo, Pocariça. (…) Íamos sem avisar ninguém e havia sempre pessoas (bastantes pessoas) a assistir, era isso que eu achava. Havia tão pouco para se ver, quando aparecia uma coisa destas as pessoas iam todas. (…)
[Atuávamos] nos largos, na rua! Onde houvesse um largo (…) [lançavam-se] foguetes para chamar as pessoas e ia um acordeonista (…). [O] acordeonista deitava sempre um foguete no princípio de qualquer das aldeias que era para começar a chamar gente. As pessoas ouviam os foguetes começavam logo a ir atrás umas das outras para irem ver a contradança. A contradança de Vila Chã era uma maravilha, foram sempre boas. (…) O que saísse daqui (é disso que eu tenho pena), o que saísse daqui saía como dever ser, fossem as contradanças, fosse o Círio (…)."