Pereiro de Palhacana

“Espiritualmente eu gosto muito daquele dia, não lhe sei dizer porquê, porque é daquelas coisas que não se consegue explicar, mas é um dia que me diz muito, eu gosto muito do clima que se cria” (Helena Rodrigues, 2022).[1]

 

Com elementos arquitetónicos do século XVI (pias de água benta e arco do cruzeiro) a hoje denominada Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Pereiro de Palhacana terá sido, no passado, uma Ermida do Espírito Santo, com hospital e confraria da mesma invocação (Folgado, 2012). Ainda no final do séc. XIX realizar-se-iam nesta localidade os festejos do Espírito Santo como é mencionado numa notícia do jornal local Damião de Goes, de 16 de junho de 1889:

«No Pereiro, teve lugar nos dias 9 e 10 a festividade do Espírito Santo. Por essa ocasião deram-se esmolas a vinte pobres, sendo de 600 réis aos mais necessitados e de 240 aos mais remediados. Deu-se também um bodo de tremoços e vinho a quem disto quis utilizar-se. A Confraria resolveu pedir licença à autoridade administrativa para que o bodo que se der no próximo ano conste de pão e carne, por julgar de nenhuma utilidade e quase irrisório o facto de serem dadas aquelas substâncias em bodo a pobres».

Sobre o bodo, Helena Rodrigues (2022), uma das organizadoras dos festejos no Pereiro, evoca a presença da Santa Isabel nas terras de Alenquer, a Rainha benemérita que, segundo os registos escritos, no dia do Espírito Santo mandava matar reses para se fazer sopa para distribuir à população. Recorda, ainda, testemunhos antigos que afirmavam não haver sopa no bodo das terras mais pequenas, como o Pereiro. Nesses locais as pessoas mais abastadas mandavam distribuir tremoços e vinho. Informação idêntica à anteriormente citada na notícia de 1889, que relata a insatisfação da Confraria do Espírito Santo com tão parca refeição e que por isso pretende que no bodo do ano seguinte também se distribua pão e carne. De referir ainda o detalhe da notícia em relação aos valores das esmolas atribuídas aos mais necessitados e aos remediados, informação rara se considerarmos os registos locais.

 

Preparação da procissão do Espírito Santo de Pereiro de Palhacana (2022)

 

Ainda sobre as reminiscências do culto no Pereiro, são também conhecidos documentos de registo de propriedade dos edifícios situados à frente da Igreja, hoje pertencentes à Junta de Freguesia, cujas confrontações os nomeiam como pertencentes à antiga Irmandade do Espírito Santo (Helena Rodrigues, 2022).

A mudança da invocação e do nome da Ermida para Igreja da Nossa Senhora da Conceição terá acontecido no início do séc. XX.

Os registos escritos que relatam os antigos festejos do Espírito Santo realizados na aldeia e a devoção, ainda hoje bastante forte, na terceira entidade da Santíssima Trindade foram suficientes para que, no início da revitalização das FIDES de Alenquer, um grupo de representantes da localidade se tenha organizado para aderir às comemorações, dinamizando, no Pereiro, as respetivas cerimónias religiosas e o bodo.

Segundo Rosa Grácio (2022),[2] também envolvida na organização das festas do Espírito Santo de Pereiro de Palhacana, os preparativos fazem-se um ou dois dias antes do domingo da cerimónia: decora-se com cuidado especial a Igreja e distribuem-se as colchas que a Câmara Municipal disponibiliza para os residentes decorarem as suas janelas e varandas. Nessa altura providencia-se a compra dos ingredientes necessários para a confeção da sopa e prepara-se a sala da Junta de Freguesia onde decorrerá o bodo.

 

Procissão do Espírito Santo de Pereiro de Palhacana (2022).

 

No domingo das festas,[3] realiza-se a missa. Durante a homilia, em frente ao altar estão expostos a coroa, a cesta do pão e o barril do vinho. Numa das paredes ficam as bandeiras e estandartes. Elementos que saem, depois, em procissão.

No desfile dos crentes, a seguir ao gaiteiro,[4] vai a cruz com os estandartes – o da Nossa Senhora da Conceição, a do Espírito Santo do Pereiro, e os dos convidados, das irmandades e confrarias. Os bens alimentares anteriormente expostos na missa desfilam a seguir, antes do pároco e da coroa (que é usualmente transportada por uma criança). Por fim, os representantes de entidades locais, políticos e a população. A procissão sai da Igreja, vai à Quinta do Pereiro, volta em direção à Junta de Freguesia e retorna à Igreja.[5]

Segue-se o bodo, com a distribuição da sopa e outros alimentos. Segundo Rosa Grácio (2022) a sopa que fazem no Pereiro leva carne de vaca e porco, chouriço de carne, repolho lombardo, feijão e massa de cotovelinho. “É uma sopa farta, como [se fazia] antigamente. As pessoas comiam aquela sopa e ficavam satisfeitas. E é muito boa”, afirma sorrindo.

Mais tarde, também os membros das festas do Pereiro se fazem representar, com as suas insígnias, no encerramento das FIDES em Alenquer, no domingo de Pentecostes.

 



[1] Em entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, em representação da comunidade de Pereiro de Palhacana.
[2] Em entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, em representação da comunidade de Pereiro de Palhacana.
[3] Que em 2022 calhou no dia 1 de maio.
[4] Em 2022, o gaiteiro Artur Santos.
[5] Onde, em 2022, antes do bodo, a Câmara Municipal ofereceu o concerto “A sonata de Igreja no Barroco”, protagonizado por Marcos Lázaro e Daniel Oliveira.