Ota

“Acho que o Espírito Santo faz coisas maravilhosas a cada um de nós (…). E se me faz a mim, faz a outro meu irmão. Se estamos unidos, ele está no meio, e ele está a dinamizar tudo” (Carminda Honrado, 2022).[1]

 

Até aos anos 60 do séc. XIX as festas anuais da Ota eram feitas em honra do Espírito Santo, só depois passaram a ser em honra da Senhora da Piedade, explica Carminda Honrado (2022). Envolvida na organização dos festejos, Carminda descreve, emocionada, o significado que atribui ao culto do Espírito Santo:

“Se eu me pusesse a dizer o que isto significa para mim, acho vocês não se iam embora hoje [diz a sorrir]… Eu resumo em três partes: “O Espírito Santo é o mentor de toda a Igreja. É o que nos funde como cristãos. Portanto, nós somos cristãos do credo do qual nós professamos, com a realização e a função dinamizadora do Espírito Santo. É a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, todos eles são só um. Como pai de todos nós… (a gente diz ‘Deus pai, Deus filho, Deus Espírito Santo’, todos eles são só um). Se são só um, dinamizando todos num só, congregando toda esta gente em volta do mesmo, é um sentimento de família, de alegria, até de muita esperança − na nossa relação com Deus nesta vida, e para além desta vida (…). Este é o meu sentimento, mais do que a dinamização toda e de tudo o que se passa”.

 

Laje de 1567 da Igreja do Espírito Santo da Ota, com transcrição da inscrição sobre doações ao culto (2022)

 

São vários os vestígios materiais que testemunham a longa devoção da comunidade da Ota ao Espírito Santo. A existência da Igreja do Divino Espírito Santo na vila é por excelência um desses testemunhos. Por outro lado, a laje datada do ano de 1567 que se encontra no chão da mesma Igreja, junto ao arco da capela-mor, e onde se pode ler uma inscrição sobre doações privadas também demonstra a importância do culto: “Aqui jaz Bastião Pires, lavrador, e sua mulher Ana Fernandes, os quais deixaram ao Espírito Santo, por sua devoção, três mil réis e um touro. Esta sepultura é para toda a sua geração”.

Segundo Folgado (2012), “uma notícia, do princípio do século XVIII, dá-nos conta de aqui existir um hospital para se recolherem os pobres. Outra informa-nos de ter aqui existido uma feira anual, que se realizava no domingo de Pentecostes, e que deixou de se fazer após as invasões francesas” (pp. 3−4). Sobre a feira anual Carminda Honrado refere que “os mais antigos, as pessoas das quintas, [diziam] que não se fazia apenas a festa religiosa e o bodo, mas havia uma feira”, onde as pessoas vendiam e trocavam os bens das suas hortas.

Seria ainda da Ota que o rei D. Duarte, por volta de 1435, deu licença aos mordomos para trazerem das matas a lenha e madeira necessária para o bodo de Alenquer (Folgado, 2010).

Carminda Honrado (2022) refere que o recomeço das festas, com o modelo que têm nos dias de hoje, “aconteceu depois do Padre José Eduardo Martins impulsionar essa dinâmica” e explica que, na atualidade, a paróquia elabora toda a parte da festa cristã – a missa e a procissão –, enquanto a junta de freguesia é responsável pela preparação do bodo. Esclarece, contudo, que no dia de Pentecostes a comunidade cristã já organizava as profissões de fé, ou seja “fazia-se nesta altura uma celebração mais festiva (antes da [revitalização] dos festejos do concelho dedicados ao Espírito Santo)”. Acrescenta ainda:

“Há, talvez quarenta e tal anos, tínhamos aqui um sacerdote, em que pelo menos por duas vezes fizemos a procissão do Espírito Santo. Não havia bodo, havia a procissão e nesse dia os miúdos faziam a profissão de fé. Havia um casal que tinha uma coroa do Espírito Santo à maneira antiga (diferente da atual, sem piquinho) e coroavam-se as crianças nessa celebração, [era] a profissão de fé (…). Portanto, houve um corte com a dimensão que tem hoje, mas dentro da Igreja sempre se manifestou este dia como um dia especial. Até porque a nossa paróquia é a paróquia do Divino Espírito Santo e, mesmo no seio da Igreja, mesmo sem haver as festas, havia sempre uma celebração mais festiva”.

 

Procissão do Espírito Santo em Ota (2022)

 

A semana dos festejos inicia com o embelezamento das ruas com as colchas, bandeiras e bandeirolas que a Câmara Municipal de Alenquer e a Junta de Freguesia providenciam.

No fim de semana das celebrações, no domingo à tarde,[2] realiza-se a missa seguida de procissão. O gaiteiro vai à frente,[3] seguido do guião da Nossa Senhora da Conceição e dos estandartes da junta de freguesia e de associações locais. Depois vão os estandartes dos convidados (outras localidades que participam nos festejos do Espírito Santo, com os seus estandartes), seguem-se elementos da Confraria do Senhor dos Passos de Alenquer, os quadros alusivos aos “dons do Espírito Santo”, o estandarte do Espírito Santo da paróquia (oferecido por um local, o Engenheiro Góis), a coroa da Ota (também oferecida, neste caso, por Joaquina Contente), as coroas de outras localidades, o pároco e acólitos e, por fim, representantes de entidades políticas locais – da Câmara Municipal e Junta de Freguesia – e a população. De referir que, curiosamente, Carminda Honrado menciona a existência, de “uma coroa do Espírito Santo muito antiga” que, sem explicação particular, é usada nas celebrações do 8 de dezembro, na imagem da Nossa Senhora da Conceição, mas não nos festejos do Espírito Santo.

A procissão percorre quase todas as ruas da localidade, partindo da Igreja do Divino Espírito Santo e voltando depois à mesma igreja, onde as coroas, os estandartes e as pessoas são abençoadas à entrada, terminando aí a cerimónia.[4]

O bodo realiza-se na cozinha social da Junta de Freguesia, ao lado da Igreja do Divino Espírito Santo. Segundo António Pereira (2022)[5] o bodo é composto pelas mais diversas iguarias alimentares e pela tradicional sopa “feita à maneira antiga”, uma espécie de sopa da pedra, com carnes variadas (vaca e porco), chouriço, massa, feijão, batata e couves. Carminda, acrescenta: “eu lembro-me da minha mãe fazer essa sopa, que era a sopa que se dava antigamente às pessoas com mais dificuldades. Aquela panela estendia-se a mais pessoas”.

Por fim, é de referir que tal como todas as outras comunidades envolvidas nas FIDES, a comunidade de Ota também se faz representar na festa do encerramento, na procissão de Alenquer, com a coroa e o estandarte.

 



[1] Em entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, em representação da comunidade de Ota.
[2] Que em 2022 calhou no dia 15 de maio.
[3] Em 2022, o gaiteiro Tiago Morais.
[4] Antes do bodo, na Igreja, em 2022, a Câmara Municipal promoveu um curto concerto de música. Atuou o grupo Coral Cantata Viva, com o concerto “Música em torno do Espírito Santo”, dirigido pelo maestro José Rui Fernandes.
[5] Em entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, membro da Junta de Freguesia e representante da comunidade de Ota.