Após o 25 de Abril, Sobral de Monte Agraço, como o resto do país, enfrentou o desafio de se reorganizar politica e socialmente, havendo um forte envolvimento da população em movimentos de base, como a organização de Comissões de Moradores − movimentos de participação ativa onde as pessoas podiam discutir os problemas locais e propor soluções – e de Comissões Administrativas − formadas pelo processo de transição para a democracia, e que assumiram o controlo das autarquias até à realização de eleições livres.
Em Sobral de Monte Agraço, João Coelho foi eleito vice-presidente da Comissão Administrativa, que tinha como principal objetivo “fazer a transição e quebrar o elo que havia do poder que existia para um novo poder”. A comissão foi composta por cinco membros, eleitos numa assembleia popular bastante participada que teve lugar no cinema local, entre eles Joaquim Biancard Cruz, também entrevistado no âmbito deste projeto.
João Coelho @memoriamedia
A principal preocupação da comissão era reorganizar os serviços municipais, que até então tinham funcionado de forma muito precária. “A Câmara não tinha receitas quase nenhumas”, recorda João Coelho, explicando que as receitas se limitavam a licenças de construção e taxas mínimas. Apesar das dificuldades financeiras, a Comissão Administrativa conseguiu implementar algumas melhorias, como a instalação de água canalizada em várias localidades. “A primeira obra que se começou a fazer foi a canalização de água no Outeiro”, menciona João Coelho. Estas pequenas vitórias foram importantes para a reconstrução da confiança da população nas novas instituições democráticas, que começavam a tomar forma em todo o país.
A tarefa desta Comissão incluía a organização das primeiras eleições livres, as Constitucionais em 1975 e as da Assembleia da República em 1976. João Coelho refere que por falta de recursos e de pessoal qualificado organizou as duas eleições “praticamente sozinho”, explicando que vários membros da Comissão estiveram ocupados com outros afazeres durante os períodos eleitorais. Considerando esse facto, João Coelho relata um episódio caricato ocorrido durante as eleições legislativas de 1976. A responsabilidade da Comissão incluía a entrega dos votos ao Tribunal da Comarca após a contagem. No entanto, houve um atraso considerável na contagem dos votos, que se prolongou até depois da meia-noite. Quando João Coelho e o comandante da GNR local, o Sargento Albino, finalmente se prepararam para levar os votos ao tribunal, encontraram-no já fechado. Face à situação, João Coelho sugeriu guardar os votos no posto da GNR, mas o sargento informou que não havia cofre disponível para os guardar. Sem alternativa, e perante a necessidade de proteger os votos, João Coelho tomou uma decisão insólita, levou-os para casa e guardou-os debaixo da cama durante a noite. No dia seguinte, logo pela manhã, levantou-se e foi entregar os votos, sem qualquer incidente. Este episódio reflete a simplicidade e improvisação das circunstâncias em que decorriam as primeiras eleições democráticas pós-Revolução.
António Lopes Bogalho @memoriamedia
Segundo os testemunhos de Maria Alexandrina, António Henrique, José Lourenço e João Coelho, um dos legados mais importantes do pós-25 de Abril em Sobral de Monte Agraço foi a criação das Comissões de Moradores que desempenharam um papel fundamental na melhoria das condições de vida da vila e nas aldeias do concelho.
Estas comissões operavam de forma descentralizada, sem interferência externa, como explica João Coelho: “Se era na Seramena, eram só as pessoas da Seramena que intervinham”. Representavam uma forma de organizar a população local em torno de questões comunitárias. Estas comissões podiam estar ou não organizadas (ter ou não estatutos e regras estabelecidas) e promoviam o envolvimento da população em decisões locais, como a construção de estradas e a criação de equipamentos públicos. Entre outras ações, a Comissão de Moradores de Sobral de Monte Agraço, por exemplo, foi responsável pela criação de um jardim de infância e de um parque infantil. A comissão de Moradores da Chã construiu as casas de banho públicas e o edifício da Colectividade.
Em relação à Chã é importante voltar a referir o processo de eletrificação da aldeia, um evento que só se deu em 1975 e contou com a intervenção do Movimento das Forças Armadas (MFA), cujas ações não se limitaram à revolução política, mas também incluíram projetos de infraestrutura em áreas rurais. A chegada da eletricidade à Chã foi um marco histórico para os seus habitantes e foi também uma oportunidade para a população se organizar e participar ativamente na gestão das mudanças que estavam a ocorrer. A intervenção do MFA foi crucial, mas igualmente importante foi a mobilização da própria população, através da sua Comissão de Moradores.