A oficina de tecelagem - Download PDF

 

 

Descrição

Na oficina de tecelagem da Cooperativa Terra Chã podemos conhecer o processo de tecelagem artesanal onde se recuperam as artes e os saberes das tecedeiras da região e se produzem peças como as mantas e os tapetes.  O processo de tecelagem é complexo, demorado e envolve várias etapas que se iniciam com a recolha e tratamento da lã, passando pela urdidura e montagem da teia, e terminando com a tecelagem da peça no tear.

O ato de tecer a lã é uma prática que surgiu de uma necessidade básica do homem em proteger-se do frio e procurar agasalhos utilizando a matéria prima de que disponha. Existem indícios que a tecelagem já era conhecida no Paleolítico. A tecelagem é uma arte que consiste em entrelaçar fios de uma trama (transversais) com fios da teia (longitudinais) possibilitando que a trama passe de forma alternada pela parte de cima e por baixo dos fios da teia, dando origem ao tecido.

Os instrumentos utilizados para a tecelagem foram evoluindo com o tempo, desde formas mais rudimentares de entrelaçar fios nas árvores, passando por pequenos teares, até aos teares manuais ou mecânicos.

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A Cooperativa Terra Chã surge na sequência de um processo de desenvolvimento local na aldeia de Chãos Chãos - uma pequena povoação pertencente à freguesia de Alcobertas, Rio Maior e situada na vertente sul da Serra dos Candeeiros – iniciado em 1984, com a criação da associação Rancho Folclórico de Chãos, “(…) através da qual se foi criando um saber fazer e uma capacidade de reflexão sobre a realidade dos territórios em espaço rural, nomeadamente para os desafios que se colocavam perante o declínio da agricultura como atividade estruturante”.[1]

Este trabalho deu origem ao Centro Cultural de Chãos, e mais tarde, em março de 2001, surge a Cooperativa Terra Chã – Desenvolvimento Local, Artesanato e Serviços CRL, com o objetivo de divulgar e valorizar o património ambiental, paisagístico e cultural da região. Entre outras estruturas/valências como o restaurante, a melaria e o rebanho comunitário, encontra-se a oficina de tecelagem, onde desenvolvem atividades de recuperação e revalorização das artes de tecer.



[1] - Cooperativa Terra Chã: https://www.facebook.com/cooperativaterracha/

 

 Tear ©Memória Imaterial

Portugal tem uma longa história e tradição relacionadas com a tecelagem e com os têxteis. “A introdução da tecelagem em Portugal dá-se no período da segunda neolitização, na chamada Revolução dos Produtos Secundários, que ocorreu durante o IV milénio a. C. A invenção do carro, do arado e do tear transformaram completamente as sociedades peninsulares, levando-as de pequenos habitats em vales, para povoados significativos e fortificados no alto de montes” (Neto, sd, pp.27).

Nas aldeias da região da Serra dos Candeeiros sabe-se que até há cerca de 100 anos a tecelagem era uma atividade artesanal muito praticada, em parte devido ao isolamento em que os seus habitantes viviam, à dificuldade em comprarem roupa já confecionada e também para aproveitamento dos recursos locais, sobretudo da lã das ovelhas, numa época em que  “(…) tudo era reutilizado, tudo tinha que se aproveitar” (Catarina Abreu).

Muitas das casas destes aldeões tinham um tear, e sobretudo as mulheres (embora também existissem homens tecelões) conjugavam as atividades agrícolas com a tecelagem - “(…) Fosse no interior ou no litoral, trata-se de uma realidade rural que passava de geração em geração, de mães para filhas. Era um tipo de trabalho que se acumulava para além da lida dos campos” (Neto, sd, pp 46). O tear era usado, sobretudo durante o Inverno, quando o trabalho nos campos era menos intenso, mas também à noite, durante todo o ano. Tradicionalmente eram tecidos tapetes, mantas e também panos para a confeção do próprio vestuário – “Na serra como havia muito frio…e os pastores…eles utilizavam muito aquelas roupas de lã para se protegerem do frio, e era preciso alguém que fizesse esse tipo de vestuário” (Catarina Abreu).

Tapetes de trapilho, resultantes da reutilização de tecido ©Memória Imaterial

Com o desenvolvimento das redes rodoviárias e meios de transportes, a introdução do vestuário industrializado e com a saída de muitos destes habitantes para as cidades, os teares foram ficando abandonados nas aldeias e a prática da tecelagem foi perdendo importância e praticantes.

O trabalho desenvolvido na oficina de tecelagem da cooperativa Terra Chã procura estabelecer uma ligação entre a inovação e as técnicas tradicionais de tratamento e tecelagem da lã, para tal usam novos desenhos e produzem peças mais apelativas para o público atual.

Neste momento, Catarina Abreu e Ana Carmo são as duas pessoas que dinamizam a oficina de tecelagem da cooperativa, produzindo vários tipos de peças, desenvolvendo ações de formação com entidades ligadas à tecelagem como o Museu de Lã da Covilhã, divulgando os produtos e os saberes em feiras e exposições e promovendo visitas e formações com as escolas da região.

Embora também sejam utilizados outros materiais como o trapilho (feito de roupas recicladas) ou a lã comprada no mercado (que tentam que seja sempre o mais natural e rústica possível) tentam privilegiar a lã recolhida na região.

 

 

 

 Lã ©Memória Imaterial

Recolha: a recolha da lã acontece entre maio e junho, quando as ovelhas são tosquiadas. Dos contatos que a cooperativa tem com os criadores locais, a lã é comprada ou outras vezes é-lhes oferecida pelos criadores, uma vez que a maioria não lhes daria qualquer utilização. A lã vem tal como é retirada das ovelhas, ou seja, com muita sujidade e com a gordura própria dos animais, pelo que é necessário proceder à sua lavagem.

Lavagem: a lavagem da lã na oficina é feita com recurso a vários alguidares. Colocam a lã em água morna, sempre à mesma temperatura, e vão trocando as águas. Utilizam um pouco de detergente neutro e através das várias lavagens a lã vai perdendo a sua gordura.

Secagem: a lã é seca ao ar livre. Os pedaços maiores são estendidos numa padiola e os mais pequenos são pendurados numa corda.

Limpeza: depois da secagem a lã é limpa de todos os lixos e impurezas (carrapatos, pauzinhos, ervas, etc.) de forma manual.

Escolha/seleção: escolhe-se os pedaços de lã mais compridos e em melhores condições, ou seja, mais fofos e sem detritos. Normalmente depois desta seleção a lã volta a ser lavada e seca.

Cardar: a lã é cardada com as escovas para desfazer as fibras. Separa-se a lã em pedaços, esticam-se os fios nas cardadeiras e com estas raspa-se em sentidos contrários para separar as fibras até conseguirem a consistência necessária. Por vezes, na cardação, trabalham-se logo os tons, misturando lã branca com lã castanha, ou misturando pedaços de lã tingida para formar outros tons.

Fiar: a lã é fiada de forma artesanal com uma máquina de fiar que tem uma roda e é movida a pedal. A lã é colocada em tufos, inicialmente com a ajuda de um fio de algodão, e o fio vai sendo esticado e torcido, podendo ser mais grosso ou mais fino, consoante o que se pretende.

 

Fiar ©Memória Imaterial

Urdir e montar a teia

Depois de feito o fio e os novelos, o trabalho seguinte é realizado na urdideira que é uma peça de madeira paralelas, guarnecidas de pregos de madeira ou ferro, em que se urdem os ramos da teia. Este processo é complexo e demora algum tempo, cerca de 1 a 2 dias para uma peça de tamanho médio.

Na urdideira, ata-se uma extremidade do fio no início da urdideira e vai-se passando o fio de um lado para o outro, de acordo com o número de fios que vão ser necessários para o tamanho da peça. Depois é feita uma cruz, e volta-se a passar o fio de um lado para o outro no sentido ascendente. Normalmente trabalham com cerca de 300 a 500 fios. Uma das formas para contar os fios é contar o número de cruzes.

No final, atam-se as cruzes com um fio de algodão para não se separarem, e é feita uma trança para levar a urdidura para o tear.

Urdir ©Memória Imaterial

Tecer a peça

A trança que sai da urdideira é levada para o tear, e aí, através da cruz, vão tirando os fios um a um e colocando nos dentes do pente. Depois cada um é colocado nos liços/quadros consoante o trabalho que vai ser realizado. Normalmente o primeiro fio é colocado no liço do primeiro quadro, o segundo fio no segundo quadro e assim em diante.

Depois disso, os fios são atados na vara. A vara vai ficar presa ao cilindro, e o fio é ali enrolado. Para que os fios não se agarrem tem que se utilizar algo para separar as camadas. Na oficina utilizam papel. Antigamente as tecedeiras usavam varinhas de louro para este efeito. Este é um trabalho complexo, normalmente executado por duas pessoas, cada um de um dos lados do tear. Os teares têm dois rolos. De um lado fica o fio para trabalhar e no outro rolo vão ficando as peças enroladas.

Trança ©Memória Imaterial

O processo de tecer a peça consiste na passagem da trama pela teia, através da naveta (uma espécie de agulha gigante), que faz o cruzamento dos fios. Depois o trabalho é realizado com os pedais. Cada pedal faz levantar um quadro. Normalmente trabalham com 2 ou 4 quadros, por isso têm 4 pedais.

É através da pedalagem que se define o desenho da peça: “(…) uma coisa é fazer 1,2,1,2, ou 1,3,2,4, para cruzar. Se quiser fazer um desenho mais complexo os pedais já trabalham de outra forma.” (Catarina Abreu).

Os pontos mais utilizados na tecelagem que é realizada na oficina são o tafetá e a sarja. Os desenhos dependem do trabalho ou da encomenda que estão a realizar, e da liberdade que têm na confeção de cada peça.

Liços ©Memória Imaterial

Depois de terminado o processo de tecelagem no tear, os fios são cortados e a peça é retirada para que se façam os acabamentos, que podem ser bainhas ou franjas.  É ainda necessário atar a teia no tear, o que é feito através de nós, no cilindro, para que possa ser utilizada novamente.

 

 

 

Cooperativa Terra Chã, pormenor ©Memória Imaterial

A Cooperativa Terra Chã desenvolve um trabalho de desenvolvimento local e de salvaguarda do património local que acolhe a oficina de tecelagem e outros projetos comunitários: o centro cultural de Chãos, que oferece serviços de alojamento, espaços de exposição e um restaurante; a melaria comunitária; e o rebanho comunitário.

António Frazão, responsável pela cooperativa, refere que estas valências foram sendo criadas de acordo com as necessidades sentidas pela população local. A oficina de tecelagem surgiu na sequência da necessidade do Rancho Folclórico de Chãos de renovar o seu vestuário. Foi também a atividade do Rancho Folclórico que levou à criação de estruturas de apoio – alojamento e restaurante local - para poderem receber outros ranchos nacionais e internacionais.

Essa oferta de serviços estendeu-se a outros públicos, com interesse em visitar a zona e conhecer o património local. Deste modo, a cooperativa organiza várias atividades de animação turística, como caminhadas pela serra ou visitas guiadas a alguns pontos de interesse da região, como a gruta das Alcobertas, as cisternas tradicionais ou as orquídeas selvagens. O objetivo destas atividades é a partilha dos saberes locais, dos recursos endógenos, e daquilo que a natureza oferece na região.

 

melaria comunitária de Chãos

Melaria comunitária ©Memória Imaterial

Outro projeto da cooperativa é a melaria comunitária. Construída nas instalações da antiga escola primária, a melaria veio dar resposta às necessidades dos produtores locais relativamente à extração e embalamento do mel.  Este espaço disponibiliza os meios necessários para que o mel possa ali ser devidamente tratado e embalado para posterior comercialização, com garantia de qualidade. Para além disso, os apicultores membros da melaria dispõem do apoio de um técnico apícola que visita periodicamente as suas colmeias, garantindo a qualidade do mel.

 

Rebanho de cabras da cooperativa Terra Chã ©Memória Imaterial

É neste sentido que a rotina das cabras e os roteiros do pastoreio são geridos por Raúl - o pastor do rebanho comunitário - em diálogo com os responsáveis pela Cooperativa. As cabras são ordenhadas de manhã, na sala de ordenha. Só depois saem para pastar. Normalmente pastam na serra, embora com algumas idas a terrenos agrícolas abandonados para comerem erva. Na serra, uma das suas funções principais passa pela gestão da rede primária de prevenção de incêndios. O rebanho também é gerido de acordo com questões ligadas à erosão do solo, alterando-se os percursos de subida e descida da serra de acordo com os níveis de erosão das zonas de passagem.

As cabras são ainda fundamentais para a gestão das orquídeas porque estas precisam de campos abertos para se desenvolverem – “(…) quando estão floridas, o Raúl desvia o rebanho para garantir que as orquídeas fazem o ciclo completo – floração e semente” (António Frazão).

Este projeto contribui para “(…) a educação ambiental em termos das tradições em vias de extinção, mas na importância que elas têm nos dias de hoje para a comunidade em geral, quer seja na gestão dos ecossistemas, quer seja na preservação dos habitats que são fundamentais nestes territórios” (António Frazão).

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

Neto, José Luis (s.d.). A Natividade Nunes da Silva: Carpetes, Colchas, Tapetes e Linhas de Belver – Da Arqueologia Industrial à Unidade de Memória. Prima Folia – Cooperativa Cultural, CRL.

Neves, Maria Manuela (2005). Design 3D em tecelagem jacquard como ferramenta para a concepção de novos produtos: aplicação em acessórios de moda. Dissertação de mestrado em Design e Marketing, opção têxtil. Universidade do Minho.

Panfili, Giulia (2012). O Vaivém do Tear – Etnografia urdida no Concelho de Abrantes. Tese de Mestrado em Antropologia, Imagem e Comunicação. ISCTE.

 

PAGINAS ONLINE

Urdume

https://pt.wikipedia.org/wiki/Urdume

Tecelagem

https://pt.wikipedia.org/wiki/Tecelagem            

Tecelagem manual

https://pt.wikipedia.org/wiki/Tecelagem_manual

Cooperativa Terra Chã

https://www.facebook.com/cooperativaterracha/

 

 

 

 

 

 

 

 

Oficinas de tecelagem da cooperativa Terra Chã

 

Participantes
 Pesquisa e Inventariação

Entrevistados (ordem alfabética)

Ana Carmo

Catarina Abreu

António Frazão

Raul Rodrigues

 




Memória Imaterial

Pesquisa e Inventariação
Memória Imaterial CRL
Filomena Sousa
José Barbieri
Rosário Rosa

Edição e montagem

Memória Imaterial
José Barbieri
Filomena Sousa

Vídeo e fotografia

Memória Imaterial

Cooperativa Terra Chã

Josep del Hoyo, IBC1415085, Gralha de bico vermelho.

Distribuição web

MEMORIAMEDIA - www.memoriamedia.pt / www.memoriamedia.net

Música

Dark Room, XTaKeRuX

Coordenação e produção

Câmara Municipal de Rio Maior

 

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