Estudo sobre as salinas - Download PDF

 

Descrição

As salinas de Rio Maior, também denominadas de ‘marinhas da Fonte da Bica’[1]  localizam-se a 3 km de Rio Maior, na localidade de Marinhas do Sal, “na zona sul da área protegida do Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros, a 99 metros de altitude e ocupam uma área com cerca de 21 865 m2. Estas são as únicas salinas de interior atualmente em exploração em Portugal”. [2]

Nos dias de hoje, as salinas são constituídas por 470 talhos ou cristalizadores, de planta retangular e trapezoidal, cavados e delimitados entre si por tábuas de madeira ou muros de cimento. O aquífero salino provém de um poço com cerca de 9 metros de profundidade localizado na zona central das salinas. A época de funcionamento das salinas e extração do sal situa-se entre maio a setembro, e cada ciclo de evaporação do sal até à formação dos cristais dura, em média, sete dias. Este ciclo integra diversas fases e procedimentos: retirar a água do poço e encaminhá-la para os esgoteiros ou concentradores onde é depurada e evaporada aumentando a salinidade; colocar a água nos talhos; regar o sal; mexer o sal; rodar/rapar o sal; juntar e secar o sal em pirâmides nas eiras; carregar o sal para os armazéns.

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O filão de sal-gema é atravessado por uma corrente de água subterrânea que se torna depois salgada e que irrompe no poço.[3] A água destas salinas é cerca de sete vezes mais salgada do que a água do mar, sendo equiparada à salinidade do Mar Morto e dos lagos Utah e Salgado – “De acordo com a análise química de Charles Lepierre feita à salmoura na década de 1930, no poço que ainda hoje existe e a partir do qual se produz o sal nos tanques de evaporação, a solução tinha um TSD da ordem dos 200g/kg de solução [salinidade muito elevada], onde os 213, 34g/l de cloreto de sódio contido representavam 96%”.[4]

Embora não seja conhecida a data concreta da origem destas salinas, sabe-se que têm pelo menos 800 anos, pela existência de uma carta de 1177, através da qual Pêro Baragão (d’Aragão) e sua mulher Sancha Soares venderam aos Templários parte destas salinas.  No entanto, vários historiadores acreditam que a existência das salinas de Rio Maior seja muito anterior ao séc. XII.

Até 1979, a gestão das salinas era privada, sendo o trabalho de extração e venda do sal realizado sob a responsabilidade dos diferentes proprietários dos talhos, quer diretamente, quer através de salineiros rendeiros, com quem repartiam parte da produção. Nesta data, devido à dificuldade de escoamento do sal e consequente abandono e degradação de alguns dos talhos das salinas,[5] foi fundada a Cooperativa Agrícola de Produtores de Sal de Rio Maior que é, atualmente, responsável pela maioria da produção, armazenamento e comercialização do sal.

Na zona envolvente das salinas existe um aglomerado de pequenas casas de madeira, cuja função original era o armazenamento do sal dos vários produtores, mas que atualmente servem sobretudo como espaços ligados ao comércio e ao turismo, ficando a maioria do sal armazenado em grandes armazéns de madeira que são propriedade da Cooperativa constituída em 1979. 

 
[1] Salinas, marinhas e salgado são expressões com o mesmo significado (Calado e Brandão, 2009).
[2]https://mesozoico.wordpress.com/2009/05/25/as-salinas-de-rio-maior-%E2%80%93-do-presente-ao-passado/. Acesso em 19/10/2019.
[3]“As salinas encaixam-se num Vale Tifónico, onde abundam rochas evaporíticas (…) – salgema e gesso, rodeadas por argilas e calcários. As rochas evaporíticas são pouco densas e apresentam um comportamento plástico, o que conjuntamente com a existência de um sistema de falhas permitiu o seu movimento ascensional – diapirismo – originando um vale (Vale Tifónico)” in https://mesozoico.wordpress.com/2009/05/25/as-salinas-de-rio-maior-%E2%80%93-do-presente-ao-passado/. Acesso em 19/10/2019.
[4] Lepierre (1936) citado in Calado & Brandão (2009), pp.48. 
[5] Uma vez que cada proprietário apenas dispunha de pequenas quantidades de sal para venda, o que não dava resposta às necessidades das grandes empresas com interesse na compra de sal em grande volume.

© Memória Imaterial

Origem e história

As salinas de Rio Maior têm, pelo menos, oito séculos de História e, segundo algumas fontes, foram anteriormente exploradas por romanos e árabes.  Como já foi referido, o primeiro documento escrito remonta a 1177, através do qual Pêro Baragão e sua mulher Sancha Soares venderam aos Templários “a quinta parte que tinham do poço e Salinas de Rio Maior, cujo poço partia pelo Este com Albergaria do Rei; pelo Oeste com D. Pardo e com a Ordem do Hospital; pelo Norte com Marinhas da mesma Ordem; e pelo Sul com Marinhas do dito D. Pardo” (Leal, 1878, pp. 198).

No último quartel do séc. XII, já existia uma exploração nas Salinas, embora conste que o poço primitivo estaria situado mais para Norte, no sítio denominado Marinha Velha.

Existem algumas variações na lenda local que é contada acerca da descoberta destas salinas. Alguns locais dizem que uma rapariga que acompanhava a pastagem de umas vacas, para mitigar a sede, tentou beber numa poça de água que aflorava num juncal. O sabor fortemente salgado foi-lhe extremamente desagradável e comentou isso mesmo quando chegou a casa. Foi assim que os seus familiares descobriram a existência de sal naquele terreno.[1] Outra versão da lenda conta que depois da pastagem das vacas, os seus proprietários perceberam que os animais, depois de passarem por zonas mais húmidas, deixavam pegadas que ficavam brancas devido à concentração de sal naquela zona, e daí a descoberta da existência do sal.

Durante muito tempo o sal foi importante no comércio entre os povos como moeda de troca, sendo mesmo utilizado como pagamento de jornas (trabalho do dia), daí a proveniência da palavra salário. Para além de condimento na alimentação, era também utilizado como o principal modo de conservação dos alimentos, através das chamadas salgadeiras.[2] Por todo este valor, o domínio do comércio do sal sempre foi sujeito a um grande controlo político. Acredita-se que o comércio foi o motivo que levou os Templários a comprar parte das salinas de Rio Maior.

A Ordem dos Templários, proprietária de parte do poço e salinas, foi extinta em 1312, tendo todos os seus bens passado para a Coroa, e sendo entregues à Ordem de Cristo, por mandato de Dom Dinis.

A exploração privada das salinas aconteceu até aos anos 70 do séc. XX. Com o envelhecimento de muitos dos salineiros, a carência de mão de obra, e sendo uma atividade pouco lucrativa, as salinas conheceram uma fase de degradação e algum abandono – “As salinas começaram a não ser rentáveis (…) porque os salineiros levavam o sal para as casas [armazéns de sal] e chegava a ficar lá 2, 3 anos (…) e as pessoas começaram a abandonar as salinas.” (José Casimiro, atual presidente da direção da Cooperativa). Assim, em 1979, foi fundada a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior, tendo como presidente o Dr. João Afonso Calado de Maia. A cooperativa foi criada com o “(…) objetivo de comercializar o sal dos cooperantes e promover ações de apoio aos mesmos, na transformação de salmoura e seu aproveitamento”.[3]

A partir dessa data, as salinas passaram, maioritariamente, a ser geridas pela cooperativa, integrando atualmente cerca de 80 cooperantes, embora ainda subsistam alguns ‘talhos’ que são geridos de forma privada. A cooperativa, “(…) permitiu a colocação do sal no mercado, devidamente embalado, e parte dele moído, o que se traduziu na valorização e aumento da qualidade do produto e do seu preço”.[4] Foram realizadas algumas obras de melhoria, inovação e expansão nas salinas, nomeadamente através da construção, na zona superior das salinas, de um espaço de armazenamento da água, com concentradores, que permitem o encurtamento do ciclo do sal,  melhorando também o ambiente circundante – “(…) Os morros de terra onde crescia vegetação infestante que conspurcava o sal foram substituídos por concentradores da salmoura extraída do poço comum.”[5]

Depois de formada a cooperativa, ainda existiam cerca de 20 salineiros que trabalhavam nas salinas e entregavam o sal à cooperativa. Progressivamente, com o envelhecimento e morte de muitos destes salineiros, a cooperativa começou a ter a necessidade de contratar trabalhadores externos para assegurar o trabalho das salinas, o que constitui uma dificuldade dada a especificidade, dureza e sazonalidade das tarefas.  Atualmente, os cooperantes dividem os lucros da venda do sal de acordo com a dimensão (m2) da propriedade de cada um.

 
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Salinas_da_Fonte_da_Bica. Acesso em 27/09/2019
[2] “Vasilha ou lugar onde se salga peixe, carne, etc.” https://dicionario.priberam.org/salgadeira. Acesso em 11/11/2019.
[3]Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior, em: http://www.coopsal.com/Portugues/quem_somos.htm. Acesso em 27/09/2019.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem.

Transporte do sal da eira para os dumpers ©Memória Imateriall

Durante muito tempo, e até há poucos anos, a exploração das salinas fez-se por processos semelhantes, quando a água era tirada com baldes por meio da picota e todo o trabalho era realizado de forma exclusivamente manual. Tratando-se de um trabalho sazonal, a maioria dos salineiros eram também agricultores e acumulavam o trabalho das salinas na época de verão com o trabalho na terra (cultivo de vinha, batata, cebola, trigo, etc.) durante o resto do ano. Alguns dos salineiros eram proprietários dos talhos, enquanto outros arrendavam esses espaços para explorar o sal, dividindo a safra com os proprietários.

O trabalho nas salinas, inicia-se, normalmente, em maio, com a limpeza dos talhos e termina no final do verão, em setembro, com o seu armazenamento.  A primeira fase do ciclo de extração do sal consiste na limpeza das salinas, e dura, em média, todo o mês de maio.  Os talhos são raspados e lavados para que possam ficar livres de todos os lixos e impurezas antes de receberem a água do poço - “As águas da chuva com as águas salinas formam uma espécie de algas, uns limos, que precisam ser retirados” (José Casimiro).

 Reprodução de gravura das salinas de Rio Maior ©Memória Imaterial.

A segunda fase, e uma das mais complexas em termos da organização tradicional dos salineiros, consistia na retirada da água do poço e consequente enchimento dos talhos e esgoteiros. A água era retirada através de duas picotas ou cegonhas, o que exigia um grande esforço físico por parte dos salineiros. Os pilares (forquilhas) destas picotas ainda estão presentes nas salinas, apesar de já não estarem em funcionamento, uma vez que a água é agora retirada por bombagem elétrica.

Uma vez que até à formação da cooperativa, os talhos estavam divididos por vários proprietários que exploravam o sal de modo particular, e sendo a água do poço indivisível, era necessária uma sólida organização em torno da sua distribuição. Essa organização obedecia a regras consuetudinárias, e tomou o nome de ‘lei da água’ ou simplesmente de ‘lei’, estipulando que a distribuição da água pelos talhos era feita de acordo com a proximidade da sua localização em relação ao poço. Assim, em primeiro lugar, quem tinha o direito à água era o proprietário do talho mais próximo do poço, e só depois se abasteciam os que se situavam em zonas mais afastadas. Todo o processo era realizado de forma manual, e a salina funcionava 24 horas por dia, uma vez que os salineiros tinham de aguardar a sua vez do direito à água.

Nesta organização, cada salineiro, proprietário de talho, tinha direito a retirar 100 baldes de água do poço de cada vez, existindo depois uma margem de 20 baldes, para que o próximo salineiro chegasse perto do poço. Todos os salineiros conheciam esta ‘lei’ e sabiam quem era o próximo a receber a água, pelo que quando estavam a terminar de retirar a sua água, gritavam pelo nome da regueira do próximo salineiro. Caso este não se aproximasse do poço, tapava-se o buraco para a regueira com barro, depois do último grito de chamada, que seria, por exemplo “Ou Norte ou barro!“[1] (Casimiro Froes Ferreira).

 Para além dos talhos, alguns proprietários também tinham os seus esgoteiros, que serviam para a depuração e evaporação da água (tal como os atuais concentradores) mas também para dar água aos talhos, enquanto tinham de esperar pela sua vez do direito à água.

 

Esgoteiro e antigo concentrador ©Memória Imaterial.

Atualmente esta fase está muito simplificada porque, por um lado, a maioria dos talhos está integrada na cooperativa, o que facilita o processo de gestão da água e do sal, mas também porque a água é agora retirada do poço por bombas elétricas que a bombeiam para os oito tanques concentradores localizados na parte alta das salinas, com capacidade para cerca de 1 milhão de litros de água. Aqui, a água vai sendo depurada e evaporada à medida que passa de tanque em tanque,[2] aumentando o seu grau de salinidade[3] e daí é que desce, por gravidade, até aos talhos, através de mangueiras que percorrem toda a salina. Antigamente, a água salgada era encaminhada por regueiras, passando pelos babeiros (sítios por onde a água corria da regueira) para os diferentes esgoteiros e talhos.  

 

 Novos concentradores ©Memória Imaterial.

 A terceira fase do ciclo de produção e extração do sal realiza-se dentro dos talhos, e compreende as técnicas de regar, mexer, rapar e secar o sal. Nesta fase, os trabalhos ainda mantêm, essencialmente, a sua forma artesanal tradicional, apenas com algumas pequenas alterações dos instrumentos de trabalho e de alguns procedimentos que se adaptaram às obras de modernização dos talhos e das salinas e aos requisitos atuais do mercado, cada vez mais competitivo e exigente, em relação à qualidade do sal.

 

Talhos, talho mexido e eiras ©Memória Imaterial.

Os talhos ou cristalizadores, como já referimos, são espaços delimitados por pequenos ‘muros’ de madeira ou de cimento e, tradicionalmente, tinham o fundo em argila/barro. A argila sujava o sal, o que fazia com que existisse no centro de cada talho uma fileira de pedras, denominada de carreira, para onde os salineiros deslocavam o sal para o lavar. Progressivamente, a maioria dos fundos dos talhos foi sendo substituída por cimento ou pedra de calcário da Serra dos Candeeiros (que permitem uma maior limpeza e pureza do sal) pelo que as carreiras já não são utilizadas, embora ainda estejam presentes em alguns talhos.

Durante o período em que a água salgada está nos cristalizadores, existem alguns procedimentos que têm de ser feitos de acordo com as condições atmosféricas e com o ciclo de evaporação e cristalização do sal. Um desses procedimentos é a rega, que consiste em retirar água da barroca (pequena depressão existente em cada talho, que forma uma espécie de pia), e, com um cabaço, atirar para cima do sal em cristalização para aumentar a produção. O cabaço é um instrumento tradicionalmente construído em madeira e chapa, mas nos últimos anos, os próprios salineiros inventaram uma forma mais simples de construção, recorrendo a um balde de plástico e a um cabo de madeira.

Rega do sal com o cabaço, salineiro Manuel Silva ©Memória Imaterial.

Durante o período em que a água salgada está nos talhos, e de acordo com as condições atmosféricas, o sal tem de ser mexido para que não fique agarrado ao fundo. Este procedimento consiste na utilização da pá para a formação de algumas linhas paralelas, abrindo espaços no sal, sendo depois mais fácil de rapar. Esta técnica tem um efeito visual muito bonito nas salinas, formando vários padrões geométricos desenhados no sal.

Depois de cristalizado, o sal é ‘rodado’, ou ‘rapado’, uma técnica idêntica, mas realizada com instrumentos diferentes que justificam os nomes.  Anteriormente, quando o fundo dos talhos era de argila, utilizava-se o rodo (instrumento de madeira em forma de pá) e dizia-se que o sal era rodado. Quando os fundos passaram a ser de cimento ou de laje, o rodo foi substituído por uma pá de inox, dizendo-se agora que o sal é rapado. Ambos os instrumentos têm a função de retirar o sal do talho quando o processo de cristalização termina.

Depois de rapado, o sal é colocado nas eiras em forma de pirâmide e aí permanece a secar durante cerca de 60h, antes de ser transportado para os armazéns. Juntar o sal em forma de pirâmide permite acumular um maior volume de sal nas eiras, para além de servir de proteção para o caso de chuva, uma vez que a água escorre pela camada exterior da pirâmide, permitindo que o sal que está no interior permaneça seco.

 

 O sal nas eiras, em forma de pirâmide ©Memória Imaterial.

A última fase do ciclo da extração do sal é o transporte e armazenamento do sal. Este trabalho era, tradicionalmente, realizado de forma manual, recorrendo a cestas de vime, sacas para colocar às costas, padiolas e carrinhos de mão, com os quais os salineiros carregavam o sal até aos armazéns. Atualmente, os carrinhos de mão são ainda utilizados dentro das salinas, percorrendo as ‘baratas’ (caminhos por onde se circula no interior das salinas) mas depois o sal é transportado para os armazéns nos dumpers que são pequenos veículos de carga motorizados.

O sal nos armazéns da Cooperativa ©Memória Imaterial.

Atualmente, são recolhidas nestas salinas, mais de 2000 toneladas de sal por ano, que é escolhido, embalado e vendido, sem qualquer tratamento químico, para Portugal e para vários países da Europa.

 

[1] O último chamamento para retirar a água do poço correspondia ao nome da regueira que tinha direito á água. ‘Norte’ neste caso é apenas exemplificativo.
[2] Os tanques concentradores são comunicantes entre si.
[3] Normalmente a água é retirada do poço com cerca de 15 graus, e quando sai dos concentradores já tem cerca de 20 graus, começa a fazer sal por volta dos 23, 24 graus.

Talhos, eiras, esgoteiro, poço e pilares (forquilhas) das picotas junto ao poço ©Memória Imaterial

De acordo com a documentação existente e os testemunhos locais de alguns salineiros, podemos descrever a estrutura tradicional das salinas de Rio Maior com base em cinco elementos funcionais, todos eles ainda hoje presentes nas salinas:

1. o poço e as picotas ou cegonhas  situados na parte central das salinas - o poço tem cerca de 9 m de profundidade e 3,75m de diâmetro, onde coexistem duas nascentes de água: uma de água salgada e outra de água doce; das duas picotas que serviam para tirar a água restam apenas os pilares que se encontram nos dois lados do poço. As picotas deixaram de funcionar depois de introduzidas as motobombas, primeiro a petróleo e depois elétricas;

2. os talhos ou cristalizadores, correspondem aos espaços delimitados dentro das salinas, de fundo plano, originalmente em argila, mas atualmente em cimento ou pedra, com dimensões médias de 7x5 m e profundidade de 20 cm onde se efetua a cristalização, com uma pequena depressão chamada de barroca destinada a acumular a água e a sujidade que se produz durante o processo de limpeza; os talhos são circundados por pequenos carreiros por onde os salineiros se deslocam entre os compartimentos, chamados de baratas.

3. as regueiras – canais que permitiam o escoamento da água para os talhos, ainda existentes nas salinas, mas perderam a sua funcionalidade tendo sido substituídas por mangueiras. As salinas são divididas por um regato natural. Na parte nascente, existem quatro regueiras: Valado do Poço; Trás-os-Montes; Norte e Seilão. Na parte norte: Valada d’Além; Cucherne e Canoeira;

4. os esgoteiros - reservatórios ou tanques de armazenamento de salmoura, têm cerca de 1,5 m de profundidade e recebem a água do poço através das regueiras. Atualmente coexistem com os concentradores, que têm a mesma função, mas são de maior dimensão e estão localizados na parte superior das salinas permitindo, depois de algum tempo de evaporação, que a água desça para os talhos, por gravidade, com um grau de salinidade superior ao da retirada do poço;

5. as eiras - espaços construídos em madeira, em forma de tabuleiros retangulares, onde se coloca o sal, em forma de pirâmide, a escorrer/secar (cerca de 60h) antes de ser transportado para os armazéns.

O espaço envolvente das salinas é composto por pequenas casas, com uma planta retangular simples, tradicionalmente cobertas por telhados de 2 águas, com fachadas em madeira, abertas por molduras simples retangulares nas portas e janelas. A maioria ainda mantém a traça original com alguns dos seus elementos característicos como a existência de um tronco de oliveira no suporte à estrutura da casa, e as fechaduras e as próprias chaves construídas em madeira.

Antigos armazéns de madeira ©Memória Imaterial.

Até à formação da cooperativa, estas casas tinham como função o armazenamento do sal, embora por vezes, também servissem para os salineiros pernoitarem.[1] Algumas destas casas funcionavam como tabernas. O taberneiro anotava os consumos em tábuas de madeira, com cerca de 1 metro e meio de comprimento por 10 a 15 cm de largura, cada uma delas descrevendo a conta de um freguês. Na régua, com recurso a uma simbologia específica (círculos, semicírculos e traços) era registada toda a despesa que os clientes iam fazendo ao longo da safra, bem como os pagamentos que iam efetuando. As tábuas ficavam penduradas nas paredes da taberna e normalmente as contas eram fechadas quando os salineiros terminavam a safra, com os pagamentos feitos em sal.

 Tábuas de madeiras onde se registava o consumo nas tabernas ©Memória Imaterial.

Atualmente o sal é transportado e guardado em grandes armazéns de madeira pertencentes à cooperativa e as pequenas casas de madeira adquiriram novas funcionalidades ligadas ao comércio e ao turismo local.

O turismo tem sido um dos fatores responsável pela sobrevivência e revalorização das salinas, sobretudo, a partir das décadas finais do séc. XX. A crescente afluência das pessoas às salinas permitiu, por um lado, dar a conhecer o sal de Rio Maior, e os produtos subderivados aumentando as vendas, e por outro, revalorizar a aldeia multiplicando os espaços de comércio (lojas de venda de sal e outros produtos locais, lojas de artesanato, cafés e restaurantes) nas antigas casas de armazenamento do sal. 

Casas de madeira e fechadura ©Memória Imaterial.

António Elias, tem a sua oficina de carpintaria e marcenaria na aldeia.  A sua avó foi a primeira habitante da aldeia, quando as pessoas se deslocavam para ali na época de verão para trabalhar no sal, e por ali pernoitavam nas casinhas de madeira, pelo que conhece bem aquele lugar. Conheceu o período do abandono das salinas e da consequente degradação das casas do sal, e não hesita em afirmar que foi “o turismo e o comércio que salvou [as casas de madeira]”.

Hoje, 60 a 70% do trabalho que faz com as madeiras é para a aldeia das salinas, seja para recuperação e assistência às casas antigas, seja na construção de mobiliário e utensílios para as lojas e salineiros, ou ainda na criação de peças de artesanato que replicam alguns dos elementos característicos das salinas de Rio Maior. Uma das peças mais procuradas pelos visitantes é a fechadura de madeira, tipicamente utilizada nas casas de sal. As fechaduras, tal como as suas chaves, eram totalmente construídas em madeira, para que fossem mais resistentes ao efeito corrosivo do sal.

Atualmente, ainda podemos ver as fechaduras originais em muitas das casas existentes nas salinas, embora já complementadas por uma nova fechadura, sobretudo por questões de segurança.

Casas de madeira ©Memória Imaterial.

Casas de madeira ©Memória Imaterial.

 [1] http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2173  Acesso em 27/09/2019.

Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior

A família Ferreira está ligada às salinas há quatro gerações, e à cooperativa desde a sua fundação. O avô de Casimiro Froes Ferreira, já trabalhava nas salinas, assim como o seu pai, José Ferreira Júnior, que trabalhou ali até depois dos 90 anos.

Aos 10 anos de idade, Casimiro Ferreira já ajudava o pai nas salinas e ali se manteve até aos 83 anos. Conheceu bem a dureza de trabalhar o sal, sobretudo quando tudo era feito de modo manual, apenas com recurso à força física dos salineiros, e os ganhos obtidos com a venda eram pouco compensadores. Tem a memória viva das transformações que foram acontecendo e conta com detalhe os procedimentos do trabalho, como era feito tradicionalmente e as mudanças que foram sendo introduzidas.

Foram as dificuldades sentidas na altura, que fizeram com que tivesse feito parte do grupo de homens que, em 1979, tomou a iniciativa de se associarem, fundando a Cooperativa Agrícola dos Produtores de sal de Rio Maior. Inicialmente foi presidida por alguns dos grandes proprietários de salinas, com formações académicas diversas, mas com poucos conhecimentos técnicos acerca do trabalho de exploração do sal.

Casimiro Froes Ferreira © Memoria Imaterial / Família Ferreira

Passados cerca de dois anos, perceberam que a gestão da cooperativa precisava de pessoas mais próximas dos saberes do sal, e passou a ser gerida por um grupo de salineiros, entre os quais Casimiro Ferreira, eleito presidente da direção. Nessa altura, conseguiu estabelecer contratos para venda do sal com a Alemanha, Holanda e Dinamarca, e o preço de venda do sal “(…) passou de 10 escudos/kilo (como era vendido em Portugal nessa época) para 50 escudos/kilo”. As salinas conheceram assim uma fase de recuperação e desenvolvimento devido à facilidade de escoamento e ao aumento do preço da venda do sal.[1]

Hoje, com 92 anos, Casimiro Ferreira ainda nos fala das salinas com uma viva paixão - “Ganhei amizade às salinas (…) ainda vou lá todos os dias!” – e vai acompanhando de perto a atividade dos trabalhadores e em particular do filho, José Casimiro, que nos últimos 15 anos preside à cooperativa.

Loja e armazéns da Cooperativa ©Memória Imaterial.

José Casimiro, enfatiza a importância da cooperativa na recuperação e salvaguarda das salinas: “A cooperativa salvou as salinas!”, embora também não se esqueça das dificuldades sentidas desde a sua fundação. “Quando a cooperativa começou não tinham nada. Foi difícil!”

José Casimiro ©Memória Imaterial.

Antes de ser eleito presidente da direção, José Casimiro já conhecia bem o trabalho da cooperativa, pois foi encarregado geral ao lado do pai, enquanto aquele foi presidente, durante mais de 20 anos. Foi acompanhando e participando nas mudanças que foram ocorrendo, desde a eletrificação do sistema de bombagem da água e a construção dos novos concentradores na parte superior da salina (que permitiram um importante aumento do volume de sal produzido por ano), até à construção dos grandes armazéns onde hoje a maior parte do sal de Rio Maior é guardada. Atualmente, também o filho de José Casimiro, embora seja professor, colabora no trabalho das salinas.

 

[1] Atualmente, grande parte do sal é exportada para a panificação alemã. Segundo Casimiro Ferreira, estes clientes preferem o sal de Rio Maior porque, dizem eles, este sal “faz crescer mais a massa do pão”.

O projeto Salarium desenvolve-se em torno de vários eixos que se articulam entre si.  Em primeiro lugar, a preservação das salinas e a diferenciação dos produtos, sensibilizando as pessoas para o valor do sal, mas também para os comportamentos e cuidados necessários a ter nas salinas.

A segunda fase relaciona-se com a experimentação e avaliação dos seus produtos com os clientes, de acordo com o profundo conhecimento das características dos seus talhos. Fundamental é ainda o trabalho desenvolvido no seu restaurante, localizado numa casa de sal recuperada junto aos talhos de produção do sal e de flor de sal, onde testam, na mesa, os produtos que são produzidos para comercialização e vendidos na loja anexa ao restaurante.

Um dos produtos a que a equipa que trabalha no projeto/loja Salarium se tem dedicado é a flor de sal, que é extraída das salinas em condições atmosféricas muito específicas,[2] e apenas em algumas zonas das salinas, com recurso a alguns instrumentos adaptados de outros ambientes de trabalho,  como seja o camaroeiro e a rede[3] que servem para a extração e secagem deste produto, respeitando a sua fragilidade e a qualidade que lhe é exigida.

José Lopes da loja Salarium a recolher a flor de sal ©Memória Imaterial.

Para que se enquadre nos padrões de qualidade da Salarium, a flor de sal “(…) tem que ter lâminas e tem que ter o grão impercetível na mão!” Trata-se de um produto raro, que só consegue ser produzido em condições muito específicas: “É o nosso produto estrela!” (José Lopes).

 

Flor de sal ainda no talho ©Memória Imaterial.

José Lopes conta que adquiriram a propriedade que agora exploram – Várzea da Salina – quando aquela estava praticamente ao abandono, em 2009. Nos  anos seguintes desenvolveram iniciativas que permitiram aumentar os conhecimentos sobre o sal e as suas possibilidades de produção. Em 2010, o Prof. José João, da Figueira da Foz, introduz uma série de novos conceitos associados a formas de utilizar o sal na mesa: retalho, flor de sal, mistura de ervas aromáticas, etc. Em 2012, organizou-se um curso de formação nas próprias salinas, com a colaboração de alguns produtores que cederam os seus talhos para que fosse possível uma formação teórico-prática.

Flor do sal - Salarium ©Memória Imaterial

[1] António da Marinha foi um salineiro muito importante nos anos 70, 80 do século XX pelas inovações que introduziu nas suas salinas.
[2] Para a formação e extração da flor de sal é necessário tempo quente, águas altas a uma temperatura constante, e a colheita é normalmente realizada ao final do dia.
[3] A rede e o camaroeiro são utilizados nas salinas de sal. Nas salinas de Rio Maior apenas servem para a produção da flor de sal.

Luís Lopes e o seu irmão João pertencem à quarta geração de salineiros, tanto pela parte da mãe como por parte do pai. O espaço onde se situa hoje a Loja do Sal existe há cerca de 150 anos, também o seu bisavô ali comercializa sal e geria uma pequena taberna.

Da infância, Luís lembra-se de acompanhar o avô na venda do sal à medida,[1] de carregar pequenas sacas para ajudar no seu armazenamento, e das brincadeiras que aconteciam, depois de sair da escola, sempre em redor do sal e das salinas: “Boas memórias que recordamos com muita alegria, com um valor afetivo muito grande”.

 Loja do Sal ©Memória Imaterial.

Desde 2009, data em que criaram a marca ‘Loja do Sal’, que trabalha com a família para preservar a herança do passado e melhorá-la, através de novos produtos que vão criando e testando no seu ‘laboratório’ - um espaço de onde já saíram mais de 50 subprodutos derivados do sal. Um destes produtos, que foi recuperado da tradição familiar é o queijo de sal, que o seu avô já fazia, e que a sua mãe, Emília Lopes, continua a fazer.

Os Queijinhos de Sal são uma forma diferente de apresentar o sal na mesa. O sal é compactado em forma redonda, como se fosse um queijo, e cozido em forno de lenha muito aquecido. O queijo de sal pode ser feito de sal ou de “espuma de sal”, produto que se produz na salina quando está muito vento (flor de sal é empurrada pelo vento para o canto dos talhos formando um sal muito fino).  O queijo faz-se numa francela (mesa com um sulco, por onde escorre o líquido que ainda existe no sal). A primeira fase consiste na moldagem do queijo, compactando-se o sal húmido numa forma redonda (um trincho). Desforma-se e, numa segunda fase, fica dois ou três dias ao sol. Por fim, vai cerca de 12 horas ao forno a lenha muito aquecido, sendo depois embalado. Pode ser feito só com sal ou com mistura de sal e pimenta. Usa-se usualmente como tempero de comida já confecionada, raspando-se com uma faca.

 Preparação do queijo de sal ©Memória Imaterial.

Para além do queijo de sal, a Loja do Sal comercializa diversos tipos de sal e produtos dele derivados: sal das salinas de Rio Maior, sal com ervas aromáticas, sal com especiarias, flor de sal, flocos de sal, exfoliantes, chocolate com flor de sal, entre muitos outros. Luís Lopes refere a importância da diferenciação dos produtos, potenciando as características específicas das diferentes zonas das salinas: “(…) cada cantinho faz um produto diferente, e há um cliente à espera desse produto”.

Extração do sal - Loja do Sal ©Memória Imaterial.

Fernando Alves, pai de Luís, também trabalha nas salinas desde criança e hoje junta-se à mulher e aos filhos neste projeto da Loja do Sal, sendo o responsável pela extração e produção de todo o sal comercializado na sua loja. Refere que, atualmente, a comercialização do sal é muito fácil porque têm produtos de grande qualidade, com elevada procura, e não acredita que as salinas possam acabar: “Existe uma rocha de sal-gema muito grande! Enquanto houver pessoas a trabalhar, a salina não acaba”.


[1] O sal era tradicionalmente vendido com recurso a uma ‘rasa’, uma espécie de caixa de madeira, que servia de medida.

Bibliografia

Calado, C. e Brandão, J.M. (2009). Salinas interiores em Portugal: o caso das marinhas de Rio Maior. GEONOVAS nº 22: 45 a 54. Associação Portuguesa de Geólogos.

Costa, I. C. (2002) Salinas naturais de Rio Maior: um património a conhecer e preservar. Dissertação de mestrado em Museologia e Património Cultural. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Duarte, N.S. (1977).  Aspectos sócio-económicos do sal. Texto de uma palestra inserida nas comemorações do 8º centenário das salinas de Rio Maior. Lisboa. Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos. Serviço de Sal.

Goucha, G; Maia, J.A.C.; Duarte, F. (1977). Marinhas de Sal de Rio Maior: oito séculos de história: 177-1977. Rio Maior. Câmara Municipal de Rio Maior.

Leal, P. (1878). Portugal antigo e moderno: dicionário geohraphico, estatístico, chorographico, heráldico, archeologico, histórico, biográfico e etymologico de todas as cidades, villas e freguesias de Portugal e de grande número de aldeias. Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia. Lisboa.

Lepierre, C. (1936). A Indústria do Sal em Portugal. Universidade Técnica de Lisboa.

Sá, M.V. (1951). Sal comum. Vol.I (sal do mar e sal da mina); Vol. II (A técnica das marinhas). Col. A terra e o homem. 21. Livraria Sá da Costa. Lisboa.

 

Páginas online

Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior em:

http://www.coopsal.com/Portugues/quem_somos.htm

Salinas da Fonte da Bica em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Salinas_da_Fonte_da_Bica. Acesso em 27/09/2019

Salinas da Fonte da Bica em:

http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2173

Salinas de Rio Maior em:

https://mesozoico.wordpress.com/2009/05/25/as-salinas-de-rio-maior-%E2%80%93-do-presente-ao-passado/

Salinas de Rio Maior

 

Participantes
 Pesquisa e Inventariação

Produtores (ordem alfabética)

Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior

José Casimiro
Casimiro Froes Ferreira
Manuel Dias Costa
Carla Alves
Trabalhadores/as da Cooperativa

Loja do Sal

Luís Lopes
Fernando Lopes
Emília Lopes
Trabalhador da Salina (Loja do Sal)

Salarium

José Lopes

António Elias - Carpinteiro
Trabalhador da Carpintaria

Historiador (CM de Rio Maior)
Carlos Pereira




Memória Imaterial

Pesquisa e Inventariação
Memória Imaterial CRL
Filomena Sousa
José Barbieri
Rosário Rosa

Edição e montagem

Memória Imaterial
José Barbieri
Filomena Sousa

Vídeo e fotografia

Memória Imaterial
Câmara Municipal de Rio Maior

Distribuição web

MEMORIAMEDIA - www.memoriamedia.pt

Música

Dark Room, XTaKeRuX

Coordenação e produção

Câmara Municipal de Rio Maior

 

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