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mó com farinha
Mó moendo milho.

O processo da moagem, do grão à farinha

Nos moinhos e azenhas de Portugal, o processo de transformar o grão em farinha, embora com diferentes fontes de energia, partilhava uma técnica comum, baseada na fricção e compressão entre pedras, as mós. Era um trabalho artesanal, que exigia perícia e conhecimento acumulado durante gerações, resultando na farinha que seria o pão de cada dia.

A chegada do grão e a limpeza prévia

Tudo começava com a chegada do grão à moagem. Os agricultores, ou os moleiros que cultivavam o seu próprio cereal, traziam os sacos de milho, trigo, centeio ou cevada, geralmente às costas, em carros de bois ou no lombo do burro. Uma vez na moagem, o primeiro passo crucial era a limpeza prévia do grão. Embora rudimentar, esta etapa era fundamental para remover impurezas maiores como pedras, pequenos galhos, terra e outras sementes indesejadas que pudessem comprometer a qualidade da farinha e danificar as mós. Muitas vezes, essa limpeza era feita à mão, com a ajuda de peneiras e soprando o grão para separar as palhas mais leves.

Em muitos moinhos e azenhas, especialmente os que priorizavam uma farinha de maior qualidade, seguia-se a lavagem do grão. Este era um passo crucial para eliminar poeiras finas, insetos, pequenos detritos e até mesmo vestígios de terra que a limpeza seca não conseguia remover.

O processo de lavagem, embora simples, era eficaz: o grão era colocado em tinas ou outros recipientes grandes, onde se adicionava água. O moleiro ou ajudante mexia o grão vigorosamente, permitindo que as impurezas mais leves flutuassem e as mais pesadas se depositassem no fundo. A água suja era então escoada e o grão era passado por várias águas limpas até que a água de enxaguamento saísse límpida.

Após a lavagem, o grão estava húmido e não podia ser moído imediatamente. Era essencial um período de secagem, que podia variar consoante o tempo e o tipo de grão. Em dias de sol, o grão era espalhado em esteiras ou lonas ao ar livre para secar naturalmente. Em dias nublados ou chuvosos, ou em climas mais frios, podia ser usado um secador de grão, que consistia numa estrutura aquecida (por vezes com um pequeno forno por baixo) onde o grão era espalhado e mexido constantemente para secar uniformemente. Este processo de secagem era vital para evitar que a farinha ficasse empapada ou se estragasse rapidamente. Mais recentemente, este processo passou a ser facilitado com a utilização da lavadoura, também conhecida por aviador – uma máquina de lavar e secar o trigo, inicialmente movida a gasóleo, a eletricidade ou utilizando a força motriz dos moinhos e azenhas.

Mó, tegão e chamador
Tegão, quelha, chamador e mó

O Tegão e o Chamador

O grão limpo e seco é então depositado no tegão, uma caixa de madeira em forma de pirâmide invertida que fica na parte superior do sistema de moagem. O tegão serve como um reservatório para o grão. Dele, o cereal cai para o olho da mó pela quelha, que é uma calha com inclinação controlada. O chamador, é um mecanismo que ao ser agitado pela trepidação da liberta o grão de forma gradual e constante. Este sistema garante um fluxo uniforme, essencial para uma moagem eficaz. 

As Mós

O coração do moinho ou azenha eram as mós, duas pedras circulares, pesadas e robustas. A mó inferior (poiso ou dormente) é fixa, servindo de base. A mó superior (corredoura ou andante) gira sobre a mó inferior. É esta mó que, ao girar, esmaga o grão produzindo a farinha.

A superfície das mós é trabalhada com sulcos específicos, as raias, que direcionam o grão desde o centro para a periferia, onde a moagem é mais fina. A manutenção destas raias, que se desgastam com o uso, é uma tarefa crucial do moleiro que as repara periodicamente com uma picadeira (para as raias das mós de trigo) ou um picão (para as mós de milho), num processo conhecido como "picagem das mós". Hoje, utilizam-se rebarbadoras em vez de picadeiras para trabalhar os sulcos das mós.

A distância entre a mó superior (corredoura) e a mó inferior (poiso) determina a finura da farinha. Uma distância muito grande resulta numa moagem grosseira, com muito farelo e pouco aproveitamento do grão. Uma distância muito pequena pode fazer as pedras chocarem, danificando-as, e aquecer excessivamente a farinha, queimando-a e alterando o seu sabor. O desafio do moleiro é encontrar o equilíbrio certo, adaptando o ajuste ao tipo de cereal e à qualidade de farinha desejada.

alevadoura
Pormenor da elevadora da azenha do Boaventura

O Funcionamento da Elevadoura (ou Levantadoura)

A elevadoura ou levantadoura era o sistema que permitia este ajuste milimétrico. Consiste geralmente numa alavanca, ou um sistema de parafuso e porca, ligada ao eixo central da mó superior que permite subir ou descer ligeiramente a mó corredoura. O moleiro, com a sua experiência, começa por juntar as mós e, de seguida, afasta-as lentamente até ouvir o som certo – um ranger suave e constante que indicava o atrito ideal sem o bater das pedras. Para além do som, o moleiro também toca na farinha que começa a ser produzida para sentir a sua textura e temperatura, ajustando a elevadoura até alcançar a finura e o calor desejados. É um processo de tentativa e erro, de sensibilidade e de anos de prática.

A Força da Natureza em Ação: Água ou Vento

Aqui reside a principal diferença entre azenhas e moinhos.

Nas azenhas, a água de um rio ou ribeira é desviada por um açude para um canal. Essa água cai com força sobre as pás de uma roda (vertical ou horizontal), que, através de um sistema de engrenagens (rocas e cames), transmite o movimento rotativo à mó superior.

Nos moinhos, as velas do moinho captam a força do vento. Através de um complexo sistema de engrenagens e eixos, o movimento rotativo das velas é transmitido à mó superior.

Em ambos os casos, o moleiro tem de ser um perito em ajustar a força da natureza. Nas azenhas, controlando o fluxo de água. Nos moinhos, ajustando a orientação das velas e a sua área exposta ao vento.

Tegão com grão
Tegão do moinho do Sobral, recebendo grão.

A Transformação em Farinha e a Recolha

À medida que a mó superior gira sobre a inferior, o grão é esmagado e moído. A fricção e o calor gerado no processo transformam o grão em farinha. Esta farinha, muitas vezes ainda quente e com alguma mistura de farelo, cai pelas laterais das mós para uma calha, que a direciona para uma arca de farinha ou outro recipiente apropriado.

A Peneira 

Nem sempre a farinha saía totalmente refinada na primeira moagem. Para obter diferentes qualidades de farinha – mais branca para pão fino, ou mais integral com farelo - o moleiro pode ainda peneirar. Usando peneiras de malhas diferentes, separa a farinha mais fina do farelo e de outras partículas maiores.

O processo é simples, mas a sua eficácia depende do saber, da observação e do trabalho árduo do moleiro. Cada fase é crucial para garantir uma farinha de qualidade.

 

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