O Cavalinho e o Carnaval
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St. Amaro e o Carnaval
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O Enterro do Entrudo
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As Pulhas
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A Serração da Velha
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As Festas do Espírito Santo
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As Festas do Espírito Santo afastam o vento
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A Semana Santa
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5ª Feira da Ascensão
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N. Sra. dos Prazeres
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A Via Sacra
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Lenda da Nossa Sra. da Piedade
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Lenda sobre toponimia Merceana
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A bugalhinha
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O Cavalinho e o Carnaval
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Luís Cipriano
St. Amaro e o Carnaval
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Luís Cipriano
O Enterro do Entrudo
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Luís Cipriano
As Pulhas
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Luís Cipriano
A Serração da Velha
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Luís Cipriano
As Festas do Espírito Santo
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Luís Cipriano
As Festas do Espírito Santo afastam o vento
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Luís Cipriano
A Semana Santa
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5ª Feira da Ascensão
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N. Sra. dos Prazeres
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A Via Sacra
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Luís Cipriano
Lenda sobre toponimia Merceana
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Luís Cipriano
A bugalhinha
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Luís Cipriano
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Categoria: PCI / Saber-Fazer
Local do registo: Casais Brancos
Freguesia: Aldeia Galega da Merceana
Concelho: Alenquer
Data do registo vídeo: 1-6-2021

Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
Entrevistados: Luís Miguel Cipriano
Ano nascimento: 1970
Entrevista: Memória Imaterial
Transcrição: CLDS4G

O Cavalinho e o Carnaval

“A aldeia, (…) era das mais pobres da freguesia porque não passou cá a estrada. A estrada nacional passou pela Merceana pelo Arneiro, pelo Paiol, pela Aldeia Galega, agora Casais Brancos e Vale Benfeito eram assim muito isoladas. A estrada era de terra batida, o inverno era muito mais rigoroso do que é hoje. No inverno era tudo um lamaçal, não se conseguia chegar cá. As pessoas (…) não saiam assim muito, saíam para trabalhar no raio da freguesia — iam muito para a Aldeia Galega, iam muito para a Merceana, para as quintas da Quinta Santos Lima, a Quinta dos Negros, a Quinta de Chocapalha, que era tudo para a Aldeia Galega, para a Quinta Visconde para a Merceana. Iam a pé pois trabalhavam de sol a sol, tinham que ir antes do sol nascer, tinham de estar lá e só vinham depois do sol se pôr. Era uma população rural muito pobre, muito pobre.

E então (…) [havia] cá muitas tradições, a começar pelo Carnaval — havia os bailes de Carnaval, vinham acordeonistas e pessoas animar os bailes e havia essa história do "Cavalinho", era uma crítica social. Era uma coisa que acontecia no dia de Carnaval — dois homens punham-se debaixo de uma serapilheira, punham assim um forcado (na mata apanhavam um pedaço de eucalipto que tivesse assim uma forca) e depois aquilo é que fazia as orelhas do cavalinho; dois homens iam lá debaixo, faziam um rabo. E depois havia uma pessoa a fingir de cigano para vender o cavalinho. Depois o cigano e outro senhor (…) [faziam] negócio com o cavalinho (e esse senhor era o pai da tia Maria, era um desses senhores do negócio, tinha muito jeito) e perguntavam: “Ó cavalinho, tá aqui dentro, das portas para dentro do baile, uma senhora que está sempre muito doente toda a semana?” (que neste caso era a própria mulher do senhor que estava a fazer o negócio). [Faziam essa pergunta] porque o cigano dizia: “Ai o meu cavalinho é um cavalinho tão bom, tão bom, que faz coisas maravilhosas, quem o comprar faz um excelente negócio. Quer ver, ele até advinha aqui as coisas: "Ó cavalinho, tá aqui dentro, das portas para dentro, está uma senhora que é muito doente, mas assim que sonha que haja baile ela está logo pronta para vir ao baile?”. O cavalinho ia ([os] dois homens) ia junto da pessoa (o baile 'tava parado, parava tudo [com] aquele acontecimento),… ia junto da pessoa, tinha chocalhos, abanava-se muito, batia com paus no chão de roda da pessoa. Umas gostavam da crítica social, outras não gostavam, às vezes até havia zangas. Mas aquilo era uma crítica social muito interessante. Neste caso, eu lembro-me desse acontecimento. Agora, pronto, as pessoas contam outros que aconteceram, que as pessoas achavam muita graça.”

 

St. Amaro e o Carnaval

“Depois também havia o St. Amaro que era também um homem [que ia] ao baile — (…) tinham que o levar porque ele não via nada, porque punham-lhe uma bilha de barro à cabeça e o pano a tapar a cabeça (…). Parecia que ele era a bilha, aquilo era tudo atado, tudo arranjado e lavavam-no, punham-no no meio do baile. E depois andava um homem cocho à volta dele, à volta do St. Amaro: “Ó St. Amaro, cura-me aqui a minha perninha, cura-me aqui a minha perninha” e o St. Amaro ia sempre dando à cabeça que não curava, ia abanando a bilha que não curava. Aquilo depois iam fazendo muitas perguntas, entretanto davam uma porrada na cabeça de St. Amaro, que não era a cabeça, era a bilha, partia-se a bilha toda, as pessoas riam muito (…).”

 

O Enterro do Entrudo

“Também havia o Enterro do Entrudo, que (…) até no Carnaval de Torres se faz. Era na Quarta-Feira de Cinzas, a seguir ao dia de Carnaval, um homem vestia-se de mulher de preto e depois faziam um boneco de palha e andavam pela aldeia a chorar, a fingir que era um funeral, que era o Enterro do Entrudo. Depois metia sempre (…) brejeirice: o Santo Entrudo ia tapado com um pano e depois [tinha a] zona do sexo (…) e havia a viúva que chorava e dizia que era parte que mais gostava e destapava-a, as pessoas riam muito. Ia tudo à porta (…) fazer muito barulho, a tocar chocalhos. (…) O Carnaval é uma palavra também antiga, mas as pessoas diziam que era dia de Entrudo, Domingo Gordo, a Segunda-Feira Gorda e o dia de Entrudo, que eram os dias do Carnaval. Depois no fim, aí num sítio, queimavam o boneco de palha, queimavam o St. Entrudo.”

 

As pulhas

“Depois também na Quaresma havia esta coisa das "pulhas", que no fundo era uma forma de aproximar os jovens, os casais, tentar juntar pares jovens. Não sei se a pulha era logo na Quarta-Feira de Cinzas, eu sei que era no princípio da Quaresma — um homem (…), quem se prestasse mais para fazer determinadas coisas, (…) gritava ali no largo a anunciar quem é que eram os pares, era num eucalipto ali num alto, [para] que as pessoas ouvissem, era alguém que tivesse uma voz tipo a minha, trovão (…). Era tudo em verso, tudo a fazer quadras, (…) com os nomes: "Anuncio aqui a minha pulha, que este ano a Maria (não sei quantas) vai ser comadre do Joaquim da (não sei quantas)”, [e] faziam ali um verso. Isso não é do meu tempo, foram as pessoas que [me] contaram (…).

Depois [durante] toda a Quaresma, quando passavam um pelo outro diziam: [Por exemplo], se eu fosse o compadre (…) e a visse primeiro dizia “Ó comadre, reza!”, passavam a Quaresma toda nisto. Eu acho que aquilo tinha um bocadinho o objetivo de juntar pares, fazer com que (…) algumas comadres e compadres dessem em namoro.

Depois na Páscoa davam um cartucho de amêndoas porque as amêndoas eram a avulso, a rapariga dava ao rapaz um bolo, uma espécie de folar, e os rapazes davam amêndoas.”

 

A Serração da Velha

“A Serração da Velha também era na Quaresma porque aquilo era uma partida (…). As pessoas estavam deitadas, ia aquele grande grupo e chamavam “Ó fulano!” o nome da pessoa, e a pessoa não podia responder. A minha mãe contava-me que o meu pai quando era pela Quaresma [dizia]: “Se chamarem a gente, tu nunca respondas, nunca respondas!”. (…) Não falavam nada, numa chapa de metal e [com] um serrote velho, a serrar… aquilo fazia muito barulho e a tocar chocalhos e campainhas e riam muito (…). Isso também não é do meu tempo, (…) ouvia as pessoas antigas a dizer que era uma tradição muito gira.”

 

As festas do Espírito Santo

“[De] todas as terras da freguesia da Aldeia Galega, [só] Merceana e Barbas [é] que não têm o culto do Espírito Santo, de resto o Arneiro, o Paiol, Casais Brancos, Vale Benfeito e Aldeia Galega todos têm. A Aldeia Galega tem uma capela do Espírito Santo muito antiga, uma das primeiras de Portugal. (…) O Arneiro também tem a capela do Espírito Santo que é muito bonita, muito boa. Vale Benfeito não tinha capela nem Casais Brancos, agora têm, são modernas, foram feitas depois do 25 de abril. (…) Nós [Casais Brancos] tínhamos e temos um estandarte, temos até dois estandartes, um antigo que era comum — (…) na altura (…) as aldeias eram tão pobres que Casais Brancos, junto com Vale Benfeito (sempre nos demos muito bem com Vale Benfeito) compraram um estandarte entre as duas aldeias, um estandarte muito bonito do Espírito Santo que está ali na nossa capela. E depois o estandarte fazia a festa cá, 'tava cá, fazia a festa em Vale Benfeito, estava lá, e estava guardado na casa de alguém [de cada uma] das terras. Guardavam, conservavam, pronto, saía quando era para a festa, tanto de cá como de Vale Benfeito. Depois as coisas começaram a evoluir e Casais Brancos pagou, deu uma parte do dinheiro a Vale Benfeito e ficou com o estandarte antigo só para Casais Brancos, depois Vale Benfeito comprou outro. (…) [Em] Casais Brancos também temos outro [estandarte] que foi uma família que ofereceu ([uma família] cá de Casais Brancos).

(…) [Antigamente] o que é que a festa tinha de diferente? Os bailes eram animados por um acordeão, era só um acordeão ou uma concertina ou (…) faziam bailes a cantar ao desafio. (…) [À Festa] vinha uma banda de música (…) tocar valsas e tangos (…), era uma coisa muito diferente. A Festa era uma coisa muito diferente, porque (…) era animada por uma banda a tocar. Até dizem que a Festa era tão boa que tinha duas bandas a tocar ao desafio — tinham dois coretos que as pessoas faziam, era tudo com murta e coisas que apanhavam aí no campo: murta, alecrim e rosmaninho. Faziam um arraial com tudo muito bonito, tudo enfeitado à moda antiga, não era com plásticos, era tudo biológico. E então faziam dois coretos e tocava uma banda, tocava uma música, parava, tocava a outra [banda]. E isso era um acontecimento porque estavam habituados era às pessoas a cantar ou ao acordeão, ora vir uma orquestra, uma banda de música a tocar era assim um acontecimento.

Depois quando eu era pequeno já não havia Festa e as pessoas até diziam: “Olha a Festa caiu dentro de um poço, nunca mais de lá saiu”, diziam as pessoas. Entretanto no 25 de abril criou-se a primeira Comissão de Moradores que restauraram a Festa do Espírito Santo, já como [são] as Festas hoje (…): com quermesse, com coreto, com arraial, com conjuntos a tocar. (…) A banda ao domingo [para] fazer o peditório, ([quando] se leva o estandarte do Espírito Santo de porta em porta). (…) [A banda] ficava para a tarde, para a procissão (porque depois já [faziam] a procissão). Depois construiu-se a capela (com o dinheiro dessas festas reconstruiu-se a capela) e depois a seguir o salão da coletividade.”

“O ano passado por causa da pandemia [Covid-19] (…), a missa foi lá na coletividade [porque era um espaço maior, não se fez a procissão nem o arraial].

Faz-se a missa do Espírito Santo todos os anos no segundo domingo de julho, é sempre quando é a festa: (…) músicas, (…) e vacadas (…). Na tarde do segundo domingo de julho às três, três e meia (…).

[A procissão tem] (…) o estandarte, tem a [imagem] da Nossa Senhora Maria Mãe (…), os meninos vestiam-se de anjo (…). Ia da capela, dava a volta toda à aldeia e recolhia à capela. Quando era a Festa tinha banda de música, tinha a banda que acompanhava a procissão e era assim.

“Havia uma grande tradição de ir à Aldeia Galega, que na Aldeia Galega havia uma grande Festa do Espírito Santo, mesmo no Pentecostes (…), 50 dias depois da Páscoa, calha a um domingo e então era a grande Festa do Espírito Santo na Aldeia Galega e aí é que falam que havia esse bodo com sopa e com carne. (…) Agora desde que Câmara restaurou as Festas do Império do Espírito Santo em Alenquer, também há [o bodo] na Aldeia Galega (este ano não houve por causa da pandemia, as terras juntaram-se todas, foi na Labrugeira, no pavilhão, (…) [para] não haver grandes ajuntamentos). Mas todos os anos há a Festa do Espírito Santo na Aldeia Galega, organizado pela Câmara e pela Junta de Freguesia— (…) o nosso estandarte vai sempre.”

 

As Festas do Espírito Santo e o vento

“E a festa era sempre muito ventosa, então as pessoas dizem: "Quando é na festa (que é em julho), (…) há vendaval". (…) As pessoas dizem que como havia muitos moinhos na serra (esses moinhos de moer a farinha, os moinhos de vento que a serra tem, tinha 200 e tal, esta serra aqui por cima de Casais Brancos tinha 200 e tal moinhos, tem uns que estão em ruínas, outros já quase destruídos, mas ainda tem muitos). Dizem que não havia vento e que então os moleiros da serra é que começaram a organizar a Festa, prometeram que faziam uma Festa ao Espírito Santo se houvesse vento, porque eles precisavam de vento para os moinhos. Diz que foi uma altura que não havia vento, e então os antigos contam isto: “Não há de a festa ter vento, ela foi feita para pedir vento.”

 

A Semana Santa

“A Semana Santa também era muito vivida, na Semana Santa as pessoas iam visitar as igrejas, iam a pé daqui, iam visitar a igreja de Charnais, o Convento de Santo António de Charnais porque tinham muita devoção pelo Senhor dos Passos [e] porque na Merceana tem uma procissão que é centenária — (…) [foram] os frades da ordem terceira que criaram essa procissão. Então na procissão vinha Nossa Senhora da Aldeia Galega — era nas ruas da Merceana, havia o sermão do encontro e (…) ainda hoje existe a procissão (…). Tem aqueles passos da Via Sacra que é para a procissão do Senhor dos Passos. Depois o Sr. dos Passos é de Charnais, a Nossa Senhora é da Aldeia Galega. (…) A procissão na Merceana vinha até Charnais e depois a Nossa Senhora ia para Aldeia Galega. As pessoas tinham muita devoção com isso, toda a gente ia à procissão do Senhor dos Passos, que é no 4º domingo da Quaresma.

(…) Houve sempre uma grande rivalidade entre a Merceana e a Aldeia Galega, porque a Aldeia Galega é a freguesia e a paróquia é a Merceana (mas que se desenvolveu [mais] por causa de [lá] passar a estrada e [por causa] do santuário de Nossa Sra. da Piedade). (…) A Aldeia Galega tem a igreja paroquial, os monumentos históricos e a Junta de Freguesia, de resto todos os serviços da freguesia são na Merceana. E então sempre [houve] aquela rivalidade. Um ano zangaram-se, diziam que a banda (…) não quis ir acompanhar a N. Sra. à Aldeia Galega, que era muito longe de Charnais (…) e diz que os da Aldeia Galega (…) não emprestaram mais a N. Sra. para fazer a procissão. Os da Merceana compraram uma [N. Senhora], e os da Aldeia Galega compraram um Sr. dos Passos, agora há duas procissões: uma no 3º domingo da Quaresma na Aldeia Galega e outra na Merceana no 4º domingo da Quaresma. E as pessoas de cá tinham muito a tradição de ir à procissão e na Semana Santa iam muito, iam a Charnais visitar o Sr. dos Passos, porque Charnais tem a igreja do Convento e tem a capela da Ordem 3ª que é a Capela do Sr. dos Passos (…). Eu cheguei a ir na Semana Santa, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira Santa (…). As pessoas diziam que eram os meios dias santos. Não iam para o campo, nem iam trabalhar. E então nós íamos a Charnais, íamos a pé [em] grandes grupos de pessoas, íamos visitar o Sr. dos Passos e rezar (…).

 

A 5ª feira da Ascensão

“Também a 5ª feira da Ascensão, tinha cá uma grande tradição, tanto que o nosso concelho de Alenquer a escolheu como feriado municipal. Aliás, (…) não existe outro dia de feriado municipal em tantos concelhos. (…) A 5ª feira da Ascensão (que é 40 dias depois da Páscoa) é um dia santíssimo. As pessoas contam muitas histórias. Diz que não faziam nada nesse dia porque era um dia muito santo. Nem cozinhavam pão nesse dia. Contavam que uma senhora cozeu pão e que o pão apareceu com "coisos de sangue". Não lavavam porque se lavassem as coisas não corriam bem. Ninguém ia, na 5ª feira da Ascensão geralmente é sempre em maio, maio é a altura das favas, toda a gente tem faval e vai apanhar favas, ninguém ia nesse dia [apanhar favas] e ninguém ia ao campo.

“Depois as pessoas diziam (…) que havia uma hora em que a água parava de correr e os passarinhos não iam aos ninhos. Porque era um dia santíssimo. Porque a gente diz que a 5ª feira da espiga (é a 5ª feira da espiga ou a 5ª feira da ascensão) é a ascensão de Jesus ao céu e que era um dia tão importante no calendário litúrgico, as pessoas tinham muita devoção (…).

E depois tinham a tradição de ir apanhar a espiga que é o ramo que tem 3 coisinhas, porque tem a ver com as coisas do campo, são 3 espigas que representam o pão e até o próprio Jesus, depois é 3 de oliveira que representa o azeite, depois tem as papoilas que acho que é o sangue, tem aquelas amarelas que é o ouro (…) - malmequeres amarelos, que é os que dá no campo e que se põe na espiga. É a oliveira, a espiga, são as papoilas e os malmequeres,… e a vinha, apanha-se (…) os rebentos das cepas, o povo chama as "galochas". As "galochas" (…) que tenham o cacho, o cacho está pequenino, está a vingar e também pertence ter no ramo da espiga, significa o vinho. Esse ramo punha-se em casa. Eu ainda cheguei a fazer, ainda há poucos anos fiz isso. (…) Agora temos uma grande dificuldade, (…) as pessoas tinham terras de trigo e agora não há. (…) Agora está tudo mais concentrado na vinha (…). Então depois [pomos] o ramo em casa e se metermos um bocadinho de pão, se cortarmos um bocadinho de pão e juntarmos ao ramo, o ramo fica sempre com um aspeto verde. E o pão não fica bolorento (…). Na minha casa ponho na despensa, (…) tem sempre aspeto verde, (…) o pão [está] seco, mas não se decompõe.

Ficava na porta para dar sorte, para se ter vinho, para se ter pão, para se ter, pronto essas coisas que o ramo representa.”

 

Sra. dos Prazeres

“Desde que começou a haver escola, há 90 anos, passou a haver também catequese. E então havia uma grande tradição de ir fazer a comunhão na paróquia de Aldeia Galega, na Nossa Senhora dos Prazeres (…), no 1º domingo e junho. Então o nosso estandarte do Espírito Santo ia (…) em procissão, daqui até à Aldeia Galega. As crianças [iam] fazer a comunhão e passavam lá o dia (…). Depois davam [um] lanche (…), muitos, assim da idade da ti Maria ou do senhor Dionísio, dizem que comeram fiambre a primeira (…), lá na festa (…).

“E também havia a tradição, ainda agora acontece, N. Sra. dos Prazeres, que é padroeira da paróquia da Aldeia Galega, vem e percorre a freguesia de 10 em 10 anos. [Houve] uns anos que não houve, quando tinha 17 anos. (…) A vinda da N. Sra. dos Prazeres era um acontecimento. Arranjavam aí uma adega, (…) porque não havia capela.

A N. Sra. dos Prazeres parte da Aldeia Galega, de noite, a meio do caminho, os de Barbas recebem-na. Fica um dia e uma noite em Barbas, depois vem de Barbas, a meio do caminho, [vai] para o Paiol, os do Paiol recebem, fica uma noite e um dia no Paiol, depois daí para Casais Brancos, depois daqui para Vale Benfeito, Arneiro, Merceana. [É] assim uma semana antes da festa (…) no 1º domingo de junho (…). A N. Sra. dos Prazeres vem assim em peregrinação.

“Depois por exemplo, no domingo é festa da padroeira da paróquia, que é a N. Sra. dos Prazeres, os meninos vão fazer a comunhão, leva-se o estandarte, vai o nosso estandarte do Espírito Santo e do Arneiro. Depois vai tudo à Aldeia Galega para fazer lá a procissão da Sra. dos Prazeres. Agora [devido ao confinamento da pandemia Covid-19] não há procissão porque estão proibidas, mas o estandarte e as coisas vão todos os anos à paróquia, quando é a festa da N. Sra. dos Prazeres, no 1º domingo de junho.”

 

A Via Sacra

“Quando é na Quaresma às vezes fazem a Via Sacra. Começa na Merceana e acaba na Aldeia Galega ou começa na Aldeia Galega e termina na Merceana. Corre a paróquia toda, as pessoas vêm a pé, geralmente é na Sexta-feira Santa. (…) Tanto que comece na Aldeia Galega a acabe na Merceana ou a começar na Merceana e a acabar na Aldeia Galega, Casais Brancos é a meio, estão sempre cá na hora do almoço. Então as pessoas têm muito gosto em oferecer almoço. Há sempre um grande almoço cá [em] Casais Brancos. (Agora tenho de puxar assim um bocadinho pelo bairrismo, as pessoas da freguesia dizem que as pessoas de Casais Brancos são muito unidas, quando toca a fazer alguma coisa as pessoas de Casais Brancos juntam-se logo, se calhar já foi mais, agora… Mas juntam-se muito pois a população está muito envelhecida, e as pessoas juntam-se muito. Então (…) ali na capela fazem sempre o almoço [e] é sempre muito bom (…). As pessoas da Merceana e do resto da freguesia, e da Aldeia Galega, ficam sempre muito agradadas comem cá umas belas iguarias, que as pessoas têm muito orgulho em fazer e dar.”

 

Lenda da Nossa Senhora da Piedade

“A Aldeia Galega era vila sede de concelho, muito antiga, teve foral dado por D. Dinis e depois mais tarde reformulado por D. Manuel l e então a rainha D. Leonor (…) ia para as Caldas da Rainha, para os banhos porque o Rei D. João II tinha uma doença de pele, e então ia aos banhos às Caldas para tentar curar-se da doença de pele. Parece que se curou. E então a rainha (…) se viesse por terra vinha de Lisboa num dia até Aldeia Galega, ficava um dia ou dois na Aldeia Galega (..) que era a terra mais importante — (…) há relatos na história de grandes festas que acontecia enquanto a rainha ficava na vila, permanecia na vila. Então e depois seguia para as Caldas e passava aqui a Casais Brancos — passava ali nessa tal dita fonte, que é uma grande mina, uma grande nascente de água, que abastecia Casais Brancos, o Paiol (…) e Aldeia Galega. E ela bebia água ali e davam de beber aos cavalos que puxavam o coche da rainha e, pronto, por isso é que ficou a Fonte da Rainha.

A rainha, ao passar, apareceu-lhe a N. Sra. da Piedade, que é uma imagem gótica, que é uma imagem muito antiga que (…) nas invasões (…) esconderam-na numa árvore e depois com o tempo apareceu. E então havia um pastor da Aldeia Galega que tinha bois e vacas, e um boi todos os dias desaparecia da manada. Entretanto um dia o pastor segui-o e deu com ele prostrado frente a um carvalho onde estava essa imagem de N. Sra. da Piedade, que é da Merceana.

Esse acontecimento, onde apareceu a imagem de N. Sra. [à rainha] e onde o boi [a encontrou] foi no Arneiro que é no sítio da fontinha, foi aí que apareceu N. Senhora. Depois, não se sabe muito bem como, contruíram uma capela no sítio da igreja da Merceana.

A imagem foi levada para Aldeia Galega, o pastor chamou o pároco da Aldeia Galega, pegaram na imagem e levaram-na para a igreja da Aldeia Galega. Depois dizem que a imagem desaparecia e aparecia no sítio onde tinha [sido encontrada]. Saía lá da igreja, desaparecia lá da igreja. E então fizeram uma capela. Não na fontinha — aí é que não se percebe muito bem a lenda e a história, não na fontinha, mas no sítio onde é a igreja, a atual igreja do santuário de N. Sra. da Piedade, na Merceana.

Merceana, chama-se Merceana porque o boi que descobriu a imagem de N. Sra. da Piedade chamava-se Merceano.

Entretanto a rainha, mais tarde, fazia esse trajeto — de Lisboa até Aldeia Galega, de Aldeia Galega até às Caldas. Na passagem passou pela Merceana e via a capela de N. Sra. da Piedade, a primeira capela estava em ruínas e a rainha ao passar perguntou o que era aquela capela em ruínas, e eles contaram que tinha sido a N. Sra. da Piedade que tinha aparecido numa árvore e então a rainha fez uma promessa: "Se o Rei se curasse do mal que tinha de pele que mandava edificar uma capela real, como não havia igual em Portugal.  Mandou fazer a igreja – (…) depois o culto de N. Sra. da Piedade generalizou-se, com os descobrimentos generalizou-se essencialmente para o Brasil. Há lá muitas igrejas e muitos santuários de N. Sra. da Piedade (…). O culto originário foi aqui no santuário de N. Sra. da Piedade, na Merceana.”

 

Lenda sobre toponímia da Merceana

“Nas invasões francesas diz que um soldado francês pediu água na Merceana. (Porque eles saquearam a igreja da Merceana, (…) fizeram até uma fogueira dentro da igreja, que vá lá não pegou fogo aos tetos. Roubaram os castiçais de ouro. E ao fundo da igreja — entra-se na porta, assim do lado direito — tem as pegas, estão vermelhas, que eles meteram lá cavalos e fizeram uma fogueira dentro da igreja, os franceses… E então diz-se que o soldado francês pediu água a uma menina, da Merceana, e que lhe perguntou o nome e ela disse que era “Ana”, e ele disse “Merci Ana” (Obrigado Ana). (Mas não pode ser porque a Merceana é muito mais antiga. As invasões francesas foram "ontem", comparadas com a construção da igreja ou o Santuário de N. Sra. da Piedade ou a Lenda de N. Sra. da Piedade, isso é uma coisa do século XIII, XIV, não é? As invasões francesas foi no século XIX.”

 

A bugalhinha

“Nas festas havia sempre um jogo que era tipo casino. Havia a bugalhinha (…) nos bailes. Eu fiz muitos anos parte da Coletividade, da direção, e (…) era uma coisa ilegal — eles davam dinheiro à comissão de festas para virem instalar-se nas festas. [Era] uma coisa muito antiga, toda a gente conta que isso era uma desgraça porque vinha a bugalhinha, eles perdiam o dinheiro, já era tudo tão pobre e o pouco que tinha perdiam (…). Depois não tinham comida para os filhos. [Mas] até contam histórias muito engraçadas.

A bugalhinha (…) é uma mesa com [as cartas] do Às, o Duque, Terno, Quadra, Quina e Cena — tudo assim na mesa, e depois tinha um gasómetro, antigamente, porque depois deixou de ter, depois (….) pedia-se ao eletricista da festa para pôr uma lâmpada num determinado sítio (assim mais baixa, que é para iluminar bem a bugalhinha). Mas antes era um gasómetro em cima da mesa. Que era uma coisa que parece um cadeeiro, em metal, em zinco, … e punha-se um pó que é carbureto (…) e depois põe-se água e aquilo ao misturar esse pó, ao receber água, liberta um gás que fazia uma luz muito boa (…). Então [sobre o jogo]: [o senhor da bugalhinha] (…) punha dentro de um copo um dado e batia, eles apostavam dinheiro nas diversas cartas e depois: “Vai sair! Vai sair!”, sempre a incentivar para eles irem apostando. Depois, entretanto, saía um Terno, depois aquilo era a triplicar. Se calhasse no Duque [Terno?], quem lá tinha dinheiro, recebia três vezes mais. O senhor da bugalhinha (…) ganhava sempre, porque já se sabe os jogos, os jogos de dinheiro, os jogos de casino e tudo, ganham sempre 90%.

E então havia essa tradição, e as mulheres não gostavam nada disso. Contam até histórias: (…) os bailes eram assim em casas — adegas ou barracões. Então eles punham-se (…) lá num canto a jogar a bugalhinha, e as mulheres iam lá ou com paus ou escondidas. Por exemplo, se [a mesa da bugalhinha estivesse] ao pé de uma sebe — (…) as paredes eram assim com folhas de eucalipto ou com canas, (…) juntavam aquilo tudo, punham assim paus para fazer as coberturas dos barracões —, e então, [para a] bugalhinha, punham a mesa assim ao pé de uma coisa dessas, elas [as mulheres], da parte de dentro da casa, punham um pau para virar a bugalhinha, porque elas queriam era acabar aquilo.”

“Há um senhor, que era o (…) dono da bugalhinha, (…) que até na campa, lá no cemitério, tem o jogo da bugalhinha em cima da campa. O Quilhéu tinha lá… era assim um quadrado com as cartas todas e o copo e o dado, tinha isso em mármore feito em cima da campa. Ele até fez isso antes de morrer, ele meteu essa campa, montou isso antes de morrer, lá em Charnais.”

 

Freguesia: Aldeia Galega da Merceana