Fazer serão
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O burro que toca o sino
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O penedo dos ovos
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A figueira serrada e o burro
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A sementeira de sardinhas
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Récitas antigas
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Os cortejos
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Fazer serão
Fazer serão
Maria Apolinário
O burro que toca o sino
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Maria Apolinário
O penedo dos ovos
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Maria Apolinário
A figueira serrada e o burro
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Maria Apolinário
A sementeira de sardinhas
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Maria Apolinário
Récitas antigas
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Maria Apolinário
Os cortejos
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Categoria: PCI / Saber-Fazer
Local do registo: Vila Verde dos Francos
Freguesia: Vila Verde dos Francos
Concelho: Alenquer
Data do registo vídeo: 8-6-2021

Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
Entrevistados: Mª Lúcia Apolinário
Ano nascimento: 1942
Entrevista: Memória Imaterial
Transcrição: CLDS4G

Fazer serão

“Juntávamo-nos aos serões na minha infância e já anterior a mim, os meus tios, os meus pais faziam os serões. Não havia televisão, não havia nada. A nossa família é muito numerosa, juntava-se na casa de uma tia, na casa de outra… Juntava-se muita gente a passar uns serões, ou a contar histórias, ou outras vezes era sessões culturais a lerem livros em voz alta, um lia para todos à vez. E quando eu era pequenina (na casa da nossa tia), os crescidos (os adultos) estavam na sala da casa de fora a conversar e os pequenos, os garotos, iam para a cozinha brincar. Fazíamos assim, depois quando éramos mais crescidinhos fazíamos parte da "sociedade".

Aqueles que se portassem mal não faziam serão, iam para a cama sem fazer serão, era o castigo máximo, tão divertido que era o serão."

 

O burro que toca o sino

“Há aquelas histórias que são tradicionais que já são muito antigas que toda a gente sabe (que sabiam cá e nos arredores). Quando às vezes queriam depreciar falavam: “Ah Vila Verde, [d]a história do burro que toca o sino.

A corda do sino estava (por fora) da parte de fora da rua, (entre o sino) entre a torre sineira e a igreja (não é?). Uma vez a corda estava partida, estava cortinha, o que é que o sacristão fez? Atou uma vide à corda para poder puxar cá debaixo, não é? Assim já chegava!

Andava por ali um burro a pastar no adro, o burro coitado viu a vide começou a roer a vide, ora conforme roía a vide, o sino ia tocando. Quando o sino toca de improviso as pessoas julgam que é fogo, vão todas a acudir ao adro. (Ainda me lembro perfeitamente de quando tocavam o fogo aparecia toda a gente). Naquela altura não era fogo, era o burro que estava a tocar. Então as pessoas ficavam: “Ah o burro é Santo” “O burro toca o sino” “O Burro é Santo” ficou tudo muito admirado, então o burro a tocar o sino, não é?

Então depois havia dúvidas: é santo, não é (…)?. Uns diziam que sim outros diziam que não. Então fizeram uma experiência - a albarda do burro puseram-na num poço. Se a albarda submergisse o burro não era santo, se a albarda viesse ao de cima o burro era santo. Ora claro, a albarda era de palha vinha ao de cima, era leve… então difundiu-se a ideia de que o burrinho era santo. Então as pessoas tiravam bocadinhos de palha, faziam aquelas coisinhas para pôr (como é que se chama?) aqueles santinhos para pôr dentro do peito (…) [por causa do] burro tocar o sino, o burro santo de Vila Verde dos Francos.

Depois disso houve cá um cortejo de oferendas e esta história foi invertida, então diziam: ”Os burrinhos desta terra todos têm já ensino, já não puxam pela corda para fazer tocar o sino.”

Quando as pessoas de terras próximas queriam fazer troça “Ah a senhora é de Vila Verde é da terra do burro que toca o sino” e as pessoas de Vila Verde não gostavam, respondiam torto.

As minhas avós já nasceram há cento e trinta e tal anos e já era velha a história do burro que toca o sino, portanto isto já é muito antigo. Agora eu ainda conheci a corda do sino por fora da parede. Agora é interior, mas ainda conheci, já não punham era lá as vides a prolongar a corda."

 

O penedo dos ovos

“[N]aquele caminho que vai para a serra de Montejunto, há lá um penedo muito grande, parece um penedo da beira-mar, um penedo muito grande, muito bonito mesmo. Não sei se aquela parte foi submersa alguma vez, é possível que tivesse sido há milénios, não é? Mas, portanto, (…) as pessoas de Vila Verde pensaram fazer uma aposta que eram capazes de partir o penedo com ovos e então depois juntaram pessoal [e] foram batendo com os ovos, batendo, batendo, batendo… e o penedo foi resistindo, não é? O penedo resistiu, no entanto por debaixo do penedo há uma zona amarela, diz que é (uma zona de musgo amarelo), diz que é onde a gema de ovo ficou depois de tanto baterem no rochedo. Lá está! É perto dos moinhos, uns moinhos muito bonitos ali ao pé do rochedo dos ovos."

 

A figueira serrada e o burro

“Depois ainda há outra que é de um homenzinho que ia cortar uma tranca de uma figueira na Várzea, isto é, a caminho de Aldeia Grande, um caminho longo (…). E o homem estava a serrar a tranca da figueira na parte de fora, na parte que ia cair e passou um senhor e disse: “Olhe o senhor vai cair, tá aí a cortar e vai cair” e ele não acreditou cortou e caiu mesmo. Então pensou: “Ah o homem é adivinho, o homem é adivinho, vou perguntar quando é que eu morro”.

Voltou para trás foi procurar o homem e disse: “O senhor adivinhou, agora diga-me lá quando é que eu morro?” E o homem disse: “Olhe o senhor morre quando o seu burro der 3 “tracks””. Ora a estrada da Várzea é muito ingreme, o homem coitado ficou muito aflito que é que fez? Arranjou um pau e enfiou no rabo do burro, (no ânus do burro) para ele não dar “tracks” para ele não morrer. Passou a primeira, passou a segunda, ele aguentou-se até que quando foi cá mais acima (…), [no] Penedo Grande, o burro coitado esforçou-se mais e o pau saiu, bateu no peito do homem.

O homem coitado disse: "Pronto, morri, morri já me bateu, já deu os “tracks” todos morri!"

Coitado! Ficou deitado no chão, morto.

Passaram por ali umas pessoas (uns homens), aquilo era uma estrada com muito movimento, encontraram o cadáver do homenzinho morto. Então vieram buscar uma padiola (era assim que se transportavam os cadáveres), vieram buscar uma padiola e levaram-no, mas quando chegaram ao rio do Cais (perto da casa desta minha prima) o rio levava muita água, no cais lembro-me que até passavam lá barcos.

Então os homens: “Agora como é que a gente faz?” - "leva o homem".  "[mas] como é que somos capazes de atravessar o rio na padiola?" "Olha deitamos o homem pelo rio abaixo, pela água abaixo".

Então o homenzinho (coitado) que estava a ouvir levantou assim a cabeça “Ah quando eu era vivo passava por ali naquele carreirinho e mais o burrinho”. Os outros assustaram-se tanto que largaram mesmo o homem pela água abaixo, largaram-no e ele lá foi pelo rio. Mas depois lá conseguiram (outros) apanharam e levaram-no à igreja e então iam levá-lo para a igreja da Aldeia Grande.

Puseram o morto em cima do burro, encostado a um pau e o homem coitado sempre firme a pensar que estava morto e lá foi. Quando chegou à igreja, à capelinha de Aldeia Grande, coitado, como ia morto não baixou a cabeça, deu uma pancada na parede e aí é que morreu mesmo de verdade. Acabou assim a história."

 

A sementeira de sardinhas

“Um casal de Fonte de Pipa pensou em semear sardinhas, “se nós semeássemos Sardinhas? Ali na costa, vamos semear sardinhas. Compraram uma caixa de sardinhas, partiram aos bocadinhos, fizeram as covinhas, semearam lá as sardinhas e depois deixaram. Dali a uns dias foram lá espreitar. Foram lá espreitar, andaram a correr, abriram uma covinha, as sardinhas estavam de bicho, não é? Então o marido disse para a mulher:” Ah mulher se der como demonstra, muita sardinha há na costa!”

Aquilo eram as lagartas…"

 

Récitas antigas

“Houve cá, já na mocidade (já morreram todas coitadinhas dessas senhoras, raparigas e rapazes). Eu tinha para aí uns 3 anos, a primeira récita. Eu fui recitar tinha aí uns 3 anos, claro que as outras pessoas já eram gente adulta, não é? Chamavam récitas a variedades de textos altos, peças de teatro, danças, muitas delas ligadas à vida do campo. Eu tenho lá uma fotografia que era um grupo de ceifeiras que 'tavam com a foice e a canção era das ceifeiras, a dança era das ceifeiras, outra das mondadeiras, outra das vindimadoras, (…) outras vezes eram canções populares e conhecidas que as pessoas cantavam e dançavam. Mas dessa das ceifeiras tenho lá uma fotografia que todas as que lá estão já faleceram.

Depois na minha geração, tínhamos as récitas escolares, entretanto depois dessa época era uma prima nossa que organizava, pedia a colaboração das professoras que estivessem cá na altura. Depois, entretanto, houve a necessidade de restaurar a igreja paroquial que estava muito estragada e então houve o cortejo de oferendas e tudo o que se pudesse de atividades para fazer dinheiro realizava-se. Então as récitas eram uma oportunidade para isso, juntava-se novamente outra mocidade, outro grupo, outra gente, não é? (…).

Eu entrei numa peça que fazia o papel de pateta, eu era garota, as outras eram todas adultas, essas são senhoras que andam por aí, moram cá muitas delas. E então era um assalto que iam fazer, aqueles assaltos carnavalescos que levavam para a casa das pessoas. E depois perguntavam-me a mim a minha opinião “E tu Rosita o que é que dizes?” (elas combinavam umas com as outras e eu 'tava sentada no palco assim a um cantinho) e perguntavam: “E tu Rosita achas bem?” “Não sei, 'tou muito constipada…” Quer dizer quando eu dizia isto toda a gente ria, claro! Era mesmo para isso. Todas as vezes que perguntassem qualquer coisa a minha resposta era sempre que estava muito constipada.

Veio tanto povo, tanto povo a essa récita, vieram de Outeiro da Cabeça, veio de tanto lado! Depois não puderam entrar que a casa era pequena, não havia o salão grande, mas qualquer modo as pessoas estavam todas em cima umas das outras. Houve depois várias récitas.

Depois disso, houve outra etapa, já de outra geração, de outras mais velhas (mais novas que eu) umas da minha idade outras mais novas. Então 'tava cá um padre que era da A-da-Gorda e da A-da-Gorda era natural um senhor, que era o senhor Paiva dono do guarda-roupa Paiva do Parque Mayer e então esse senhor disponibilizava toda a roupa que fosse necessária para as récitas. Então ia a nossa prima e outra senhora ao guarda-roupa “Paiva” [buscar figurinos e adereços].  Essas récitas já tinham fatos muito bons, roupas todas apropriadas e tudo isso.

Um primo nosso também era acordeonista e a mulher dele era dançarina de folclore, mas clássico e então ensinou. Ele tocava muito bem e ela ensinou a dançar várias danças: a dança da camacha, dos caracolitos, a valsa da meia-noite, sei lá… Com os trajes do guarda-roupa “Paiva” aquilo era mesmo muito bem ensaiado, muito bem-apresentado. Depois íamos repetir ao Vilar e a Aldeia Gavinha (…), isso depois era tudo dinheiro que era para as obras da igreja, não é?

No primeiro ano, portanto, eu tenho 79, essa récita que eu me lembro (…) portanto em 76 essa primeira (…). [Os] temas que eram muito ligados à vida do campo, à agricultura. As mulheres trabalhavam muito no campo e os homens. (…). Eram as ceifas, as vindimas (…)

Nessa primeira também houve um auto que era do cavador. O Sr. Adolfo fez um papel também muito interessante (…).

Depois mais tarde já eu tinha 12, 13, 14 anos, portanto aí há 60 e tal (anos). Depois menos, aí há 50 e tal na altura do guarda-roupa “Paiva” (…) foram várias [participações nas récitas]."

 

Os Cortejos

“(…) Cortejos de oferendas também houve dois, um era só com carros alegóricos e com (…) os produtos que as pessoas davam, os produtos da terra, não havia assim muito dinheiro, davam o que tinham.

Depois outro cortejo, vinha de cada lugar um carro alegórico com a padroeira do lugar. A santa padroeira da Portela vinha a Santa Bárbara (…) daqui desta zona, destes casais aqui havia uma capela do Anjo da Guarda, veio também o carro alegórico [com o Tobias] pela mão do Anjo da Guarda com o peixinho na mão (…). Do Chorão [veio] um carro com a Santa Helena (…) Santa Helena foi m~er do imperador Constantino foi ela que descobriu a Cruz de Cristo na terra Santa (…) e de cá de Vila Verde era a rainha Santa Isabel. Além dos carros houve também danças, cada terra apresentava o seu grupo de danças. Da portela era crianças que dançavam, pequeninas “Pau pau, tau tau, vira vira o bacalhau”. Não sei como é que elas arranjavam tantas canções, tantas coisas. Lapaduços um grupo muito grande, já de gente adulta, lá do Chorão havia lá muita gente, tudo gente nova, raparigas e rapazes a dançarem muito bem. (…) Festas que davam um dinheirinho (…)."

Freguesia: Vila Verde dos Francos