Lendas da Virgem Maria
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Lendas da Virgem Maria
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António Guapo
As bruxas
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António Guapo
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Lendas da Toponímia
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Categoria: PCI / Saber-Fazer
Local do registo: Aldeia Gavinha
Freguesia: Aldeia Galega da Merceana
Concelho: Alenquer
Data do registo vídeo: 25-5-2021

Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
Entrevistados: António Guapo
Ano nascimento: 1933
Entrevista: Memória Imaterial
Transcrição: CLDS4G

Lendas As imagens da Virgem Maria

“Há uma série de lendas no nosso concelho ligadas ao aparecimento, digamos de imagens da Virgem Maria. E é curioso que há 4 ou 5 casos: contamos o caso de Meca, o aparecimento da Senhora num local próximo ‒ que aparece a um pastor. Há o caso da Merceana, que é o caso também de (…) uma imagem que desperta o interesse de um animal, que por sua vez leva lá o pastor. Há outros 2 casos, que é o caso da (…) Senhora da Ameixoeira na Abrigada e a Triana em Alenquer. Aí não é o pastor que encontra [a imagem], mas são luzes que aparecem. Portanto o tema “luzes que aparecem” ou “pastores que descobrem” são, digamos, não digo constantes, mas são, digamos, os elementos que propiciam depois um culto à Nossa Senhora da Merceana, Santa Quitéria de Meca ou a Senhora da Ameixoeira ou ainda a Senhora que se venerou na igreja (…). Quer dizer, ou as luzes que aparecem e suscitam interesse de alguém, (…) vai ver e encontra uma imagem, ou o pastor que descobre por acaso ou através do animal, isto é … aliás esta situação é uma situação recorrente, ao longo de todo o país encontramos situações destas. E há um pormenor que também aparece com frequência: (…) [as] imagens aparecem quase sempre num tronco de árvore. Porquê? É lenda? Lenda que pode ter um fundo de verdade, mas porque é que se encontram aquelas imagens? Estas imagens ocorrem quase sempre em tempos históricos, conseguem-se localizar no tempo, são nos primeiros anos da reconquista cristã. Reconquista porque já antes tinha havido aqui o fenómeno do cristianismo (…). Será que estas imagens que se encontraram, quase sempre da Virgem Maria, será que essas imagens foram lá colocadas como esconderijo? Face ao avanço das tropas e da ocupação muçulmana (…) mais tarde foram encontradas. É uma hipótese. Porque realmente esta repetição não [advém da] falta de imaginação popular ‒ [que] poderia criar outros cenários para o aparecimento ‒, mas (…) repete-se, ou é o pastor que lá vai ou são luzes que se acendem e se apagam (…).”

 

As bruxas

“(…) Aqui há dias vi esta definição de bruxa e feiticeira. A bruxa (…) nascia com esse condão, com essas características. A feiticeira tinha aprendido as artes, as malas artes, as artes negras. Era a diferença feiticeira/bruxa, que em princípio até são iguais, [mas] não ‒ bruxa é uma pessoa (…) que tem [naturalmente] as virtudes más. É claro que se fazia também a distinção [entre] uma bruxa boa e uma bruxa má, mas de qualquer modo, com capacidades de desenvolver toda uma prática de magia negra. Magia negra que estava plasmada, ou referida concretamente no livro de São Cipriano. O livro São Cipriano era uma espécie de manual, manual da bruxaria, manual de magia negra, com todos os processos ‒ quer para fazer mal a alguém, quer para fazer ligações amorosas (…). Estas coisas pertencem a um passado já muito remoto, mas, quando em vez, ainda no nosso inconsciente aparece uma bruxa e (…), ao fim ao cabo, continuamos a ser ainda pessoas muito ligadas a essas práticas. Porque se não acreditamos, usamos alguns conjuros: as ferraduras que se põe atrás das portas para evitar os maus olhado; a figa que se prendia ao pescoço dos meninos, figa de azeviche preta, para evitar maus olhados, as ações maléficas das bruxas. 

É engraçado que aqui à volta algumas [bruxas] ficaram famosas: há a bruxa de Vila Verde. Depois, a determinada altura, era a curandeira, que era capaz [de curar] através de mezinhas tradicionais em que se misturava algumas rezas, mas fundamentalmente utilizando recursos naturais, chás, normalmente chás, pomadas, (…) o azeite. Houve aqui nos Casais Maçaricos também em tempos, um bruxo – (…) um curandeiro que fazia mezinhas, (…) chás, (…) rituais… a posição da mão ‒ a colocação da mão tem efeitos curativos. Aliás isso tem um bocadinho haver com tradições da religião cristã, portanto, a posição da mão, colocar a mão sobre [partes do corpo] era uma forma de transmitir através da mão, poderes ou qualidades que poderiam interferir na vida, saúde da pessoa, do tocado.”

 

As boas e más horas

“Eu vivi numa região do Fundão em que se falava de uma coisa curiosa que eram as “boas e as más horas”. As “boas e más horas” eram entidades, míticas, fantásticas que passeavam nas ruas durante a noite e se alguma pessoa menos avisada, enfim, passasse por esse local e encontrasse uma “boa hora” estava tudo bem, mas se encontrasse a” má hora” estava perdia, era uma pessoa perdida. Era a história das “boas e más horas” que não estavam materializadas de forma nenhuma, eram apenas entidades muito vagas, a bruxa ou lobisomem estavam materializados, agora as “boas e as más horas” não eram materializadas, eram apenas entidades indefinidas que se encontravam.”

 

Os Jogos tradicionais

“Ali na escola, em Olhalvo, assistia aos jogos dos miúdos, aos jogos infantis dos miúdos (…). O jogo para os miúdos é uma coisa extremamente séria, porque é um mundo onde o adulto não intervém naturalmente ‒ é como um espaço exclusivo da sua vivência.

Os jogos ao longo do ano fazem-se de acordo com um calendário que às vezes o adulto não se apercebe. Não se jogava ao peão todo o ano, não se jogava ao berlinde todo o ano, havia épocas. E eu via, por exemplo, esta situação que é curiosa: um miúdo chega à escola, leva um peão e vai lançar. ‒ “Epá agora não é o tempo do peão!” [dizia outro miúdo]. Havia alunos mais velhinhos que eram mantedores, digamos, desse calendário. E é curioso, (…) se consultarmos a nível europeu, esses calendários são quase coincidentes.

Outra coisa são as formas de jogo (…) e que têm explicações que à primeira vista não se descortinam. Há uma forma de perseguição: os polícias e os ladrões, que é uma forma mais estereotipada. Mas há outras formas: (…) a apanhada – (…) faz-se a escolha, e já na escolha dos participantes, quem é o grupo A quem é o grupo B, começa-se por um processo que é estranho. Começam por fazer uma fila que vai (…) passando por baixo de dois participantes que se enfrentam e cruzam os braços em cima, como que um arco, e há uma lengalenga que se canta (…):

 

[“Que linda falua,

que lá vem, lá vem,

é uma falua,

que vem de Belém.

 

Eu peço ao Senhor Barqueiro

que me deixe passar,

tenho filhos pequeninos

não os posso sustentar.

 

Passará, não passará,

algum deles ficará,

se não for a mãe à frente,

é o filho lá de trás.”]

 

(…) Portanto, na passagem daquele grupo em fila há um que fica. ‒ “Agora vais para ali”; ‒ “Esse escolho eu” e depois outra vez “passará, não passará, …”. Aliás a história [da cantiga], o que é isto na sua simbólica? É a passagem, é a portagem, passo a ponte e paro na portagem, (…) é o custo da passagem. (…)

Depois no jogo da apanhada, na perseguição, os miúdos correm de um lado para o outro. Há uns que conseguem chegar ao pé de uma porta e agarram-se à aldraba da porta, ficam isentos da perseguição. Porquê? É um costume tradicional da idade média ‒ o foragido que chegasse a um determinado local, junto de uma igreja, e se agarrasse à aldraba da porta da igreja, ficava isento da perseguição.

Outra forma (…): os miúdos iam a correr (…) se eles gritassem “forres” ficavam também livres da perseguição, o perseguidor parava. O que quer dizer isto: “forres”? Tratava-se, naquele caso concreto do jogo, da perseguição do escravo. (…) O escravo [que] tinha um “negro forro”, tinha carta de alforria, daí ele invocar “forres”, (…) “eu estou forro”.

É curioso isto, quer “agarrar a aldraba da porta da igreja”, maneira de se salvar da perseguição, quer “gritar forre”, ocorrer no século XX, práticas que tinham perdido o sentido dois, três séculos atrás.

[Depois] esse jogo que tem vários nomes: “da semana”, o jogo “do comboio”, o jogo “do avião” ‒ o jogo com uma série de quadrados, a “macaca” ‒, tem vários nomes de acordo com a evolução tecnológica. Começou por ser o jogo “da semana” por talvez serem sete [quadrados]; “o comboio” porque as formas alinhadas [podem-se comparar com um comboio]; depois, e porque um tem duas dilatações laterais, “o avião”. É engraçado também como estes nomes infantis se vão adequando à evolução das técnicas ou das tecnologias.”

 

Os cegos e os folhetos de cordel

“Esses cegos e esses folhetos de cordel eram um reforço à tradição oral. Por via oral os cegos aprendiam [as histórias dos folhetos], mas também as pessoas aprendiam, (…) na maior parte delas não lendo os textos, ouviam-nos ler e fixavam. E era assim, portanto, ainda me lembro desses [folhetos], lembro-me, enfim, memória já remota, digamos dos meus 10 anos, o que aponta para 70, 80 anos atrás. Lembro-me desses senhores, normalmente era o cego que tocava guitarra e depois havia uma rapariga, ou outro cego, que cantava os versos, e depois os versos eram vendidos. E qual era a temática? É engraçada a temática. Alguns eram fados simples, fados cantados em Lisboa, mas maior parte das vezes eram acontecimentos trágicos, ou assaltos, ou mortes, ou assassinatos, eram, digamos, versos de “faca e alguidar”, mas que criavam no espectador, ou espectadores, uma certa satisfação. (…) Felizmente, maior parte desses versos estão colecionados e, portanto, grande parte da tradição oral portuguesa está plasmada nesses versos, contos, lendas, histórias, mas é engraçado que [também] faziam parte, digamos, dos hábitos. Normalmente esses senhores apareciam nos momentos de grandes concentrações humanas, era o caso dos mercados, era o caso das feiras, aproveitando a presença de muita gente, lá vinha um cego, e as pessoas logo formavam um círculo, era engraçado isso.”

 

Os lobisomens

“A nossa mitologia portuguesa não é muito rica, circunscreve-se a três ou quatro [figuras]: são os lobisomens, são as bruxas e depois há os medos indefinidos. Mas aqui [concelho de Alenquer] é curioso, pois são muitas as histórias que contam dos lobisomens. E muito embora o nome lobisomem (…) nos leva a crer que era um lobo transformado em homem ou homem que se transforma em lobo, depois quando se fala da presença desses, fala-se de outra coisa: um homem que se assumia como um cavalo selvagem, (…) a forma de cavalo ou de burro.

Como é que a pessoa assumia essa postura estranha? Era rebolando-se no sítio onde os cavalos ou os animais circulavam. A expressão popular é “espojar”, o sítio onde um cavalo ou um asno se espojava. Se (…) um homem se rebolasse lá, ele transformava-se em lobisomem. (…). Depois durante a noite andava pelas ruas, escoicinhava as portas, zurrava, mas é curioso, é lobisomem, mas é homem/cavalo ou homem/burro.”

 

Conhecimentos da natureza

“Conheci pessoas e convivi com pessoas que eram autênticos livros de conhecimento sobre o campo, a vários níveis. Ouviam cantar um pássaro: ‒‒ “Tá a ouvir, isto é um tentilhão”; ‒‒ “Isto é um melro”. Hoje, tudo isto são pássaros, não têm nome, são pássaros. Às vezes até generalizam – “tudo pardais” (…)”

Outro conhecimento que tinham era sobre as ervas. Hoje para a maior parte [das pessoas] são ervas. ‒‒ “Não são ervas não, isto é, uma candelária. Olhe isto é bom para quando está de dor de garganta”. Esse saber é que se perdeu muito, muito embora a ciência tenha evitado que se perca isso em farmácia. Ainda se estuda, digamos, a botânica com os fins farmacológicos, com os fins de tratamento de doença, felizmente. Mas muita coisa, entretanto se perdeu.”

 

Lenda - O sino rachado

“Em Olhalvo havia a história do sino rachado, (…) e claro o sino é uma peça preciosa, uma peça cara. ‒ “Quem é que arranja o sino?”, ‒ “Ninguém arranja o sino!” Até que uns senhores lá da terra pensaram: ‒ “Nós vamos arranjar o sino!” E enfim, orientaram-se as pessoas, tirou-se o sino da torre e levou-se para a oficina desses senhores, fizeram os preparativos e acabaram eles de remendar o sino. Este ato de remendar o sino partido (…) transformou-se quase num mito ‒ “o homem que conseguiu remendar o sino.”

 

Lenda – O sino roubado

“Os sinos são peças fundamentais e peças preciosas dentro da liturgia cristã, é o elemento que chama o cristão, é o elemento que recorda os tempos e recorda os horários. Porque não só o sino servia para lembrar o cristão das horas das missas, [mas também] lembrava o cristão do desaparecimento ou falecimento. Na idade média o sino marcava as horas de recolher (…). Aqui há 50 anos (…) mantinha-se a tradição, à hora de recolher o sino tocava, isto reportando-se a épocas medievais. Aqui entre nós [no concelho de Alenquer], a história do sino é muito circunscrita aqui a uma zona relativamente perto de nós [Aldeia Gavinha] (…).

Conta-se que um homem de Pereiro, ajudado por outros da mesma terra, roubaram o sino. Cá está, (…) a rivalidade que há entre duas terras e há pessoas audaciosas que foram roubar. Teve um mau fim porque o povo de Ribafria deteta o ladrão e sacrifica-o, mata-o e [este] é enterrado por desprezo, não na terra santa, no cemitério, mas enterrado num monte de estrume para mais opróbrio. O sino ficou partido e como era muito grande o povo de Ribafria mandou derretê-lo para fazer os três que estão na torre da capela de Nossa Senhora do Egipto em Ribafria. Há depois estes textos: “Adeus sino, adeus simão/ Tua sorte foi cruel/ Nunca mais fazes tlão na torre de S. Miguel”.

 

Lendas – Toponímia

“[Sobre o nome das terras]: no caso de Olhalvo, por exemplo, (…) havia um senhor que tinha um olho branco, o alvo, portanto era o lugar de “olhalvo”, o homem que tinha o olho branco.”

Em Montegil, se calhar, havia um senhor que se chamava Gil e que vivia naquele monte (…). Isto são formas simples de tentar explicar coisas complicadas (…) [como o] nomes das terras.

[Para] Aldeia Gavinha não há nenhuma história (…) ‒ [mas] esta terra nem sempre foi aqui, Aldeia Gavinha começou lá em baixo, junto do rio, mas houve uma peste grande e, portanto, as pessoas vieram para aqui e aqui começou digamos a nova aldeia. Mas sabe, [que] isto era uma encosta cheia de pedras e então as pessoas agarram-se a esta zona pedregosa como as gavinhas das videiras se agarram às terras e (…) as casas foram trepando pela colina acima. É uma expressão mais poética do que real, mas de qualquer modo é outra tentativa de explicação [para o nome da terra]. E porquê? Porque se chama Aldeia Gavinha.” 

Freguesia: Aldeia Galega da Merceana