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Matilde Neves
O trabalho das mulheres
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A apanha da cereja
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As lojas e tabernas
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Categoria: PCI / Saber-Fazer
Local do registo: Ribafria
Freguesia: Ribafria e Pereiro de Palhacana
Concelho: Alenquer
Data do registo vídeo: 7-6-2021

Título: MEMÓRIAS e TRADIÇÕES - Alenquer
Entrevistados: Matilde Neves
Ano nascimento: 1937
Entrevista: Memória Imaterial
Transcrição: CLDS4G

A Praça dos Homens

“Havia o hábito aqui no largo da Gertrudes Maria do Egipto, ajuntavam-se ali as pessoas ao nascer do sol para convocarem as pessoas para o trabalho. Os patrões de um lado, os empregados do outro e depois ofereciam - quem mais precisava de homens mais oferecia o salário. Quando se levantavam não sabiam para onde é que iam, porque iam ali encontrar o patrão. Portanto era a Praça dos Homens na Praça Gertrudes Maria do Egipto. Trabalhavam de sol a sol e as mulheres iam levar o comer que era o almoço por volta das dez, depois jantavam praí às duas horas, ficavam com a merenda e depois à noite ceavam”.

 

O trabalho das mulheres

“As mulheres aí já tinham que fazer, porque tinham todo o dia andado no caminho com o  comer atrás dos homens e …mas …elas também trabalhavam, porque as que podiam  — pelo menos as que não eram casadas e as que eram casadas e tinham quem as ajuda-se — elas trabalhavam na azeitona, na monda — porque havia a monda dos trigos e de feijões e pronto. (…) Também iam à sementeira das batatas porque também se semeava batata e depois ficavam aí a trabalhar meia-tarde, ou seja, meio-dia — que era uma hora até ao sol [se pôr].”

 

A apanha da cereja

“E havia então uma parte muito bonita que era a parte da cereja. (…) As pessoas (…) que tinham as cerejas, as cerejeiras, (…) vendiam[-nas] antes de começar a florir - que se chamava a venda das cerejeiras em pau. E havia senhores que compravam para depois (…) terem o seu negócio, era o negócio deles – (…) chamavam-se os "Cerejeiros". Eles arranjavam os grupos das pessoas que contratavam (…) para andar [à cereja] - quando o tempo dava, porque a cereja depende muito da temperatura do tempo. Se houvesse frio, de um modo geral havia sempre boa cereja (e se em Maio não chovesse). Portanto aquilo era um negócio que era assim um bocadinho…mas…mas eles governavam-se, portanto era assim.

E era muito giro porque as pessoas, as mulheres, levavam o cabaz para apanhar a cereja e um pau que se chamava "cambo". E depois havia uns "maquinos" que eram uns cestozinhos em palha, palha trabalhada e havia os outros maiores - os "canastros". Os "maquinos" as senhoras traziam à cabeça e os "canastros"… já tinha de ser… (…) era outro tanto [de peso], e havia quem tivesse o seu burrito ou o seu macho, que tinham a carroça e traziam[-nos, os "canastros"] muitas vezes dentro da carroça.”

 

Lojas e tabernas

“(…) Havia 3 lojas muito boas que tinham de tudo. Ali desde… sei lá, tudo, não havia misturas, era azeite, era…era…toda a mercearia. Além da mercearia tinham as roupas, vendiam tecidos a metro e tudo quanto era preciso para as pessoas se vestirem. E também loiças e alumínios, nós aqui tínhamos 3 lojas e tínhamos disso tudo. Depois havia as tabernas. As tabernas onde os senhores se juntavam e lá faziam as suas… o jogo do chinquilho. Tinha ferreiro também, o ferreiro…que teve sempre. Aqui Ribafria havia de tudo. Até chegámos a ter farmácia e o posto médico, … depois na casa do Povo, mas isso já mais tarde. A casa do Povo veio muito tarde, porque as pessoas antigamente não descontavam nada. Raramente iam a um médico porque não podiam ir, não tinham dinheiro para ir ao médico. Quando aparecia qualquer doença de repente iam ao hospital.”

 

O Carnaval

“[No] São Vicente, já ali as pessoas começavam à noite com as suas gracinhas — que se chamava as "pulhas", umas vezes era para elogiar, outras vezes era para lavar a roupa suja. Mas era giro, as pessoas punham-se à escuta para saber o que é que eles diziam, punham-se dos dois lados, parecia uma desgarrada.

O carnaval era divertido, muito divertido, as pessoas arranjavam as suas vestes (…) de chita ou coisa assim do género, muitas vezes até chegavam a desmanchar as cortinas das malas para fazer as saias e depois tornavam a fazer as cortinas outra vez.

Eu lembro-me que a primeira vez que fui mascarada foi por duas pessoas amigas, raparigas que iam lá trabalhar a casa dos meus tios, (…): "Nós vamos fardar-te, vamos arranjar-te uma farda." E elas desmancharam as cortinas delas para fazer um fato para eu vestir, eu era miudita e era divertido.

Depois as pessoas até tinham o hábito (…)  [de ir] nos três dias a casa umas pessoas das outras e levavam a panela do comer – que as pessoas ficavam aflitas. Havia uma galinha a cozer porque era carnaval e ficavam aflitas [porque lhes tinham roubado a refeição]: "Como é que era agora?" … Depois os outros convidavam-nos para ir lá… "Venham cá jantar que nós temos jantar para lhe dar!" E era o próprio jantar deles.

Havia sempre bailes. Bailes e bailes bons...bons, isto é, com muita gente. E então durante o ano quando falavam à acordeonista Eugénia Lima ou Vitorino Matono, isso era casa cheia, vinha pessoas de todo o lado.”

 

A Semana Santa

“À quinta-feira Santa o sino tocava às 3 horas, ou seja, às 15 e só tocava (…) no sábado — naquela altura tocava-se aleluia no sábado às 10 horas. Mas à quinta-feira de tarde ninguém ia trabalhar e à sexta-feira de manhã também não. Só começavam a trabalhar depois da uma hora da tarde à sexta-feira. Depois cá havia o sermão da paixão à sexta-feira à noite, onde eram nomeados os festeiros para a festa da Senhora do Egipto — dali arranjavam uma lista de nomes e depois aceitavam ou não aceitavam, mas quase sempre aceitavam. Na quinta-feira Santa as pessoas também iam muito visitar os cemitérios ou a igreja.”

 

A Bela Cruz

“Havia também o hábito, e ainda há, no dia 3 de Maio aparecer a cruz enfeitada — (…) [no] dia da Bela Cruz. Enfeitavam uma cruz, todas as pessoas punham uma cruz à porta enfeitada com folhas de nespereira e rosas — que era o tema de Maio, que era o que estava mais bonito naquela altura. Isso, eu acho que para a parte religiosa, que era como elogio à cruz, mas não sei se toda a gente assim o faria.”

 

A 5ª feira da Ascensão

“A quinta-feira da Ascensão era um dia sagrado aqui no nosso concelho. Portanto, à quinta-feira da Ascensão ninguém ia às fazendas. Até diziam que as águas dos rios paravam uma hora — (…) [até] lhe chamavam o dia da hora — os passarinhos não iam ao ninho e o pão no forno não cozia. Aqui temos uma história que foi verdadeira (…). Havia aí um senhor, um casal, e a mulher disse-lhe: — “Não vais às favas, hoje é quinta-feira da Ascensão, hoje é dia da hora não vais às favas!"— “Aí vou, vou, eu quero favas para o almoço." Em conclusão, o senhor foi às favas mas tiveram que ir lá buscá-lo porque ele morreu. Não é nenhuma invenção porque (…) [aconteceu] depois de eu ter nascido (…). Eu conhecia o casal, a senhora pelo menos, o senhor não conhecia (…). É uma coisa que ficou muito na mente das pessoas (…). Portanto, hoje só é feriado no nosso concelho,… e de vários, mas já não é aquele dia de feriado como nós tínhamos antigamente.”

 

O dia de todos os Santos

“O dia de todos os Santos… era as ruas cheias com os miúdos andarem ao Pão por Deus. Todos gostavam, até mesmo os que tinham boa vida, mandavam os filhos ao Pão por Deus e toda a gente…aquilo era uma festa… e toda a gente tinha sempre alguma coisa à porta para dar de Pão Por Deus.”

 

O Natal e as oferendas

“Antigamente quando havia mortes antes do Natal, os vizinhos iam contemplar as pessoas com os fritos…com as "velhoses" — porque (…) [as famílias onde tinha] falecido alguém já não faziam "velhoses" [no Natal], e então os vizinhos iam, batiam à porta e iam levar um pratinho com velhoses. (…) As pessoas ficavam muito agradecidas. E isso por acaso este ano ainda aconteceu comigo, fui contemplada porque no falecimento da minha nora, que foi no fim de Novembro, eu tive algumas pessoas que me foram…tiveram a gratidão de me ir cumprimentar (…)."

"Nós chamávamos "velhoses", portanto ou "filhoses" ou fritos. É farinha, abóbora, ovos e um bocadinho de água dentro e um bocadinho de vinho do Porto. As filhoses nossas daqui são assim. E era muito giro, porque as pessoas… o serão do Natal, a noite do Natal era passada a fazer-se os fritos. Agora faz-se tudo antecipado não é, mas nós.. o alguidar ia para ao pé da chaminé, era a lume, as filhoses eram feitas era no lume, os miúdos sentavam-se ali de roda e iam por o sapatinho na chaminé para receber o presente do menino Jesus.”

 

Oração ao Bom Jesus

“Desde pequenina que me ensinavam uma oração (…) que era a oração do Bom Jesus cansado. É um bocadinho comprida não sei se…então vamos ver se vai:

“Ó meu Bom Jesus cansado

Espelho de toda a luz

Vosso coração partido

Vossas entranhas rasgadas

Vossa mãe magoada

De nos ver em tanto perigo

Esta oração foi achada

Em Santa Casa de Jerusalém

Quem consigo a trouxer

Ou escrito, ou rezada

Não morrerá de morte súbita

Nem do demónio tentado

Eu me encomendo a Jesus

A ao mistério da Cruz

E a cruz onde morreu

E a flor onde nasceu

E a São Romão de Roma

Para que nos livre

De todos os perigos malignos

Ámen.

 

Rezavam muitas vezes quando saiam de casa, não saiam de casa sem se benzer e pedir a ajuda ao Espírito Santo e à Nossa Senhora do Egipto que os protegesse do mal.”

 

Oração do Anjo da Guarda

“E era a oração do Anjo da Guarda (…) que todos [quando eramos pequeninos] tínhamos que saber:

“Santo Anjo do Senhor

Meu zeloso guardador

Pois a ti me confiou

A piedade divina

Que hoje e sempre me governa, rege, guarda e ilumina

Ámen.”

Portanto, na catequese depois ensinava-se aos miúdos já o Anjo da Guarda pequenino que era:

“Anjo da Guarda, minha companhia

guardai a minha alma de noite e de dia.”

Também havia o hábito de dizer: 

“Nossa Senhora não me deixes morrer em pecado

Em pecado não hei de morrer, que a virgem Maria me vai valer.”

  

O início da Indústria

“Os anos 40, já havia (…) os pedreiros, os carpinteiros e não havia mais, mas pedreiros e carpinteiros cá havia. Depois as pessoas começaram a ir aprender mecânica de automóveis já nos anos…sei lá… 40, 50 (…) - já os pais mandavam os filhos, porque às vezes até tinham de pagar para eles irem aprender. E depois começaram a empregar-se. (…) [Começaram] a passar aqui os autocarros. A primeira vez que passou… havia um carro às 6.30h (isso eu não me lembro quando é que veio). Mas nos anos 40 talvez, ou isso, começou a passar aqui um autocarro às 10 horas que ia para Alenquer. Ia às 10 horas para Alenquer e vinha as 5. Naquela altura, no princípio, as pessoas que podiam mais até iam almoçar a Alenquer de propósito só para o carro ter movimento.”

 

As cheias de 1967

“As cheias de 67 foi horroroso. Foi de noite, era aí 2 horas da noite. (…) Nós acordámos e estávamos todos cheios de água. A minha casa que nunca lá entrou a água, entrou a água. Do outro lado, havia um casal (…) que se tinha casado naquele ano – aquilo foi um horror.

(…) Os meus tios não foram na cheia porque um caixão – (…) as arcas grandes onde metiam o trigo –, um caixão atravessou-se assim na porta que ia para o outro lado e eles ficaram ali (…). Ele coitado (…) partiu uma perna, ou qualquer coisa, ficou muito embaixo… e o genro é que os puxou para cima com uma corda porque era o r/c e 1º andar. Era uma casita pequena mas (…) a filha vivia em cima e eles viviam embaixo.

Havia um casal que se tinha casado no ano anterior que moravam numas casitas ali assim muito baixinhas e aquilo encheu-se tudo de água. Os gritos eram tantos que era... foi um horror. Não morreu ninguém graças a Deus, mas as casas encheram-se todas de lama. E sabe como é que eles saíram daquela casa? Puseram-se em cima de uma mesa, um banco em cima da mesa, tiraram as telhas do telhado e ele safou a mulher e depois a mulher puxou por ele ou vice-versa, passaram assim por um carreirinho, um muro, que ainda lá está. (…) E foram entrar para casa da minha tia por uma janela, porque senão tinham morrido.”

 

O sino Roubado e o fantasma.

“Havia uma quadra que dizia:

Adeus sino, Adeus Simão

Que nunca mais voltas a fazer tlim tlão."

"(…) Em 1910 a igreja foi destruída, e depois aquilo teve ali muito enrolado, muito enrolado (…). Pereiro e Ribafria aquilo foi uma guerra sempre, depois aquilo teve muitos anos (…)  estragado. Depois no tempo do padre Luís Maurício é que começaram a mexer na igreja, arranjou-se o telhado e comprou-se o sino por todas as pessoas dos 14 lugares da freguesia. E há várias quadras mas eu só me lembro desta."

Entrevistadora: “Mas foi a seguir que roubaram o sino?

Matilde: "Foi, aí, foi nessa altura, antes de se começar nas obras de restauro é que roubaram o sino (…), isso aí havia história que nunca mais acabava."

Manuel Benjamim: "Aquilo chegou a estar abandonado durante muito tempo, muitos anos…muitos anos."

Matilde: "Muito tempo, muito tempo…muito tempo, o cemitério era uma tristeza."

Manuel: "Há uma história que é real. Aquilo tinha um alpendre, tinha um alpendre muito bonito em 3 águas, (…) e havia aqui um senhor, que era do Mato — amanhava um terreno lá mais para ao pé de Barbas, prá 'li assim —, então veio uma trovoada de água, chovia muito e ele coitado não tinha chapéu, … com uma saquinha às costas (…) abrigou-se ali naquele alpendre. Abrigou-se naquele alpendre e estava a trovejar e a chover, chover, chover. Às tantas começou a parar de chover e a porta [Igreja] estava assim …cheia de buracos, toda podre, e vem uma pessoa de lá de dentro e diz assim: “Ó amigo, ainda chove?” Epá.., (isto foi verdade) …

Matilde: "… Foi verdade, foi!..."

Manuel;"… Epá, o homem coitado dá a correr direito a Ribafria nunca mais parou. Pensava que era um morto. Era um coitado de um pedinte que ia ficar ali assim àquela igreja, que era uma casa que estava ali abandonada. 'Tá a ver, veja lá o que são as coisas … são coisas reais que a gente ouve quando é miúdo, mas nunca se esquece.”

Freguesia: Ribafria e Pereiro de Palhacana